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sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Alvorada Cristã-Francisco Cândido Xavier

Nota do Blog: Apesar de estar integralmente apresentado. Esse livro ainda não está totalmente formatado nesse blog, para uma leitura mais prazerosa.
CARO AMIGO: Caso você tenha gostado do livro e tenha condições de comprá-lo, faça-o, pois os direitos autorais são doados.

Muita Paz

ALVORADA CRISTÃ

Francisco Cândido Xavier

DITADO PELO ESPÍRITO NEIO LÚCIO

ALVORADA CRISTÃ

As páginas de Neio Lúcio, consagradas à mente juvenil em todos os

padrões da experiência física, são, em verdade, valioso curso de iluminação

espiritual.

Sementeira de princípios renovadores, aqui encontramos avançadas

noções de justiça e bondade para a elevação da vida. E a luta terrestre, em

seus fundamentos, ainda mesmo considerada no setor expiatório, resume-se

na obra educativa para a eternidade.

A instrução é, sem dúvida, a milagrosa alavanca do progresso. Sem ela,

perseveraria a mente humana nos resvaladouros da Ignorância, confinada á

miséria, à ociosidade, a indigência e ao infortúnio, através da delinqüência na

praça publica e da correção na penitenciária.

Mas não basta esclarecer a inteligência, repetiremos ainda e sempre. É

imprescindível aperfeiçoar o coração nos caminhos do bem.

Nero, o tirano, era discípulo de Sêneca, o filósofo.

Tito, o príncipe admirável, que costumava dizer

“perdi o meu dia”, quando a noite o alcançava sem algum gesto excepcional de

bondade, mandou massacrar mais de dez mil Israelitas doentes, abatidos e

mutilados, depois de arruinar Jerusalém.

Marco Aurélio, o Imperador virtuoso e sábio, consentiu no morticínio de

cristãos Indefesos.

Inácio de Loiola, maravilhosamente bem-Intencionado, tinha o cérebro cheio

de letras quando incentivou a perseguição religiosa.

Marat, o demagogo sanguinário, era jornalista de mérito e intelectual de

renome.

Todos os fazedores de guerra, ditadores e revolucionários, antigos e

modernos, foram Incubados no convívio de professores ilustres, de páginas

científicas, de livros técnicos ou de universidades famosas.

Razão sem luz pode transformar-Se em simples

Cálculo

Instrução e ciência são portas de acesso à educação e à sabedoria.

Quem apenas conhece nem sempre sabe.

A cultura do espírito vai mais longe: ajuda o homem a converter-se em

santuário vivo, através do qual se irradia o Poder Soberano e Misericordioso.

Necessário, pois, semear pensamentos enobrecedores e santificantes,

amparando a mente que recomeça a lição de aprimoramento Individual.

Esquecer a Infância e a juventude será desprezar o futuro.

Regozijando-nos, assim, com a tarefa do amigo que nos doou estas

páginas, cheias de sentimento paternal e de idealismo superior, saudamos, em

companhia dele, a alvorada sublime de amor e paz, que resplandece, com

Jesus, para a Terra de amanhã, regenerada e feliz.

EMMANUEL

Pedro Leopoldo, 21 de junho de 1948.

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Sigamos com Jesus

Maomé foi valoroso condutor de homens.

Milhões de pessoas curvaram-se-lhe às ordens.

Todavia, deixou o corpo como qualquer mortal

e seus restos foram encerrados numa urna, que évisitada, anualmente, por

milhares de curiosos e seguidores.

Carlos 5º, poderoso imperador da Espanha, sonhou com o domínio de toda

a Terra, dispôs de riquezas imensas, governou muitas regiões; entretanto,

entregou, um dia, a coroa e o manto ao asilo de pó.

Napoleão era um grande homem.

Fez muitas guerras.

Dominou milhões de criaturas.

Deixou o nome inesquecível no livro das nações.

Hoje, porém, seu túmulo é venerado em Paris...

Muita gente faz peregrinação até lá, para visitar-lhe os ossos...

Como acontece a Maomé, a Carlos 5º e a Napoleão, os maiores heróis do

mundo são lembrados em monumentos que lhes guardam os despojos.

Com Jesus, todavia, é diferente.

No túmulo de Nosso Senhor, não há sinal de cinzas humanas.

Nem pedrarias, nem mármores de preço, com frases que indiquem, ali, a

presença da carne e do sangue.

Quando os apóstolos visitaram o sepulcro, na gloriosa manhã da

Ressurreição, não havia aí nem luto, nem tristeza.

Lá encontraram um mensageiro do reino espiritual que lhes afirmou: “Não

está aqui.”

E o túmulo está aberto e vazio, há quase dois mil anos.

Seguindo, pois, com Jesus, através da luta de cada dia, jamais

encontraremos a angústia da morte e, sim, a vida incessante.

No caminho de notáveis orientadores do mundo poderemos encontrar

formosos espetáculos da glória passageira; contudo, é muito difícil não

terminarmos a experiência em desilusão e poeira.

Somente Jesus oferece estrada invariável para a Ressurreição Divina.

Quem se desenvolve, portanto, com o exemplo e com a palavra do Mestre,

trabalhando por revelar bondade e luz, em si mesmo, desde as lutas e ensinamentos

do mundo, pode ser considerado cidadão celeste.

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Na direção do bem

O Senhor tudo criou na direção do bem.

Todas as criaturas, por isto, são chamadas a produzir proveitosamente.

A erva tenra sustenta os animais.

A fonte oculta socorre o inseto humilde.

A árvore é abençoada companheira dos homens.

A flor produzirá fruto.

O fruto dar-nos-á mesa farta.

O rio distribui as águas.

A chuva lava o céu e sacia a terra sedenta.

A pedra faz o alicerce de nossa casa.

A boa palavra revela o bom caminho.

Como desconhecer os santos propósitos da vida, se a natureza que a

sustenta reflete os sábios desígnios da Providência?

Grande escola para o nosso espírito, a Terra éum livro gigantesco em que

podemos ler a mensagem de amor universal que o Pai Celeste nos envia.

Desde a gota de orvalho que alimenta o cacto espinhoso, à luz do Sol que

brilha no alto para todos os seres, podemos sentir o apelo da Infinita Sabedoria

ao serviço de cooperação na felicidade, na paz e na alegria dos semelhantes.

Todo homem e toda mulher nascem no mundo

para tarefas santificantes, segundo a Divina Lei.

Com alegria, o bom administrador governa os interesses do povo.

Com alegria, o bom lavrador ara o solo e protege a sementeira.

O homem que semeia no chão, garantindo a subsistência das criaturas, é

irmão daquele que dirige o pensamento das nações para o conhecimento

divino.

A mulher que recebe homenagens pelas suas virtudes públicas é irmã

daquela que, na intimidade do lar, se sacrifica pela criancinha doente.

Deus conhece as pessoas pelo que produzem, assim como nós

conhecemos as árvores pelos frutos que nos estendem.

Em razão disto, os homens bons são amados e respeitados.

A presença deles atrai o carinho e a veneração dos semelhantes. Os maus,

todavia, são portadores de ações e palavras indesejáveis e toda gente lhes

evita o convívio, tanto quanto nos afastamos das plantas espinhosas e

ingratas.

O homem bom compreende que a vida lhe pede a bênção do serviço e

levanta-se cada manhã, pensando: — “Que belo dia para trabalhar!”o-

O mau, porém, ergue-se de mau humor. Não sabe sorrir para os que o

cercam e costuma exclamar: — “Dia terrível! Que destino cruel! Detesto o

trabalho e odeio a vida!”

Um homem, qual esse, precisa de auxílio dos homens bons, porque em

não se dedicando ao serviço digno será realmente muito infeliz.

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Pequena história

Um dia, a Gota dÁgua, o Raio de Luz, a Abelha e o Homem Preguiçoso

chegaram ao Trono de Deus.

O Todo-Poderoso recebeu-os, com bondade, e perguntou pelo que faziam.

A Gota dÁgua avançou e disse:

— Senhor, eu estive num terreno quase deserto, auxiliando uma raiz de

laranjeira. vi muitas árvores sofrendo sede e diversos animais que passavam,

aflitos, procurando mananciais. Fiz o que pude, mas venho pedir-te outras

Gotas dÁgua que me ajudem a socorrer quantos necessitam de nós.

O Pai sorriu, satisfeito, e exclamou:

— Bem-aventurada sejas pelo entendimento de minhas obras. Dar-te-ei os

recursos das chuvas e das fontes.

Logo após, o Raio de Luz adiantou-se e falou:

— Senhor, eu desci... desci... e encontrei o fundo de um abismo. Nesse

antro, combati a sombra, quanto me foi possível, mas notei a presença de

muitas criaturas suplicando claridade. Venho ao Céu rogar-te outros Raios de

Luz que comigo cooperem na libertação de todos aqueles que, no mundo,

ainda sofrem a pressão das trevas.

O Pai, contente, respondeu:

— Bem-aventurado sejas pelo serviço à Criação. Dar-te-ei o concurso do

Sol, das lâmpadas, dos livros iluminados e das boas palavras que se encontram

na Terra.

Depois disso, a Abelha explicou-se:

— Senhor, tenho fabricado todo o mel, ao alcance de minhas

possibilidades. Mas vejo tantas crianças fracas e doentes que te venho

implorar mais flores e mais Abelhas, a fim de aumentar a produção...

O Pai, muito feliz, abençoou-a e replicou:

— Bem-aventurada sejas pelos benefícios que prestaste. Conceder-te-ei

novos jardins e novas companheiras.

Em seguida, o Homem Preguiçoso foi chamado a falar.

Fez uma cara desagradável e informou:

— Senhor, nada consegui fazer. Por todos os lados, encontrei a inveja e a

perseguição, o ódio e a maldade. Tive os braços atados pela ingratidão dos

meus semelhantes. Tanta gente má permanecia em meu caminho que, em

verdade, nada pude fazer.

O Pai bondoso, com expressão de descontentamento, exclamou:e

— Infeliz de ti, que desprezaste os dons que te dei. Adormeceste na

preguiça e nada fizeste. Os seres pequeninos e humildes alegraram meu Trono

com o relatório de seus trabalhos, mas tua boca sabe apenas queixar, como se

a inteligência e as mãos que te confiei para nada valessem. Retira-te! os filhos

inúteis e ingratos não devem buscar-me a presença. Regressa ao mundo e não

voltes a procurar-me enquanto não aprenderes a servir.

A Gota dÁgua regressou, cristalina e bela.

O Raio de Luz tornou aos abismos, brilhando cada vez mais.

A Abelha desceu zumbindo, feliz.

O Homem Preguiçoso, porém, retirou-se muito triste.

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Prêmio ao sacrifício

Três irmãos dedicados a Jesus leram no Evangelho que cada homem

receberá sempre, de acordo com as próprias obras, e prometeram cumprir as

lições do Mestre.

O primeiro colocou-se na indústria do fio de algodão e, de tal modo se

aplicou ao serviço que, em breve, passou à condição de interessado nos lucros

administrativos. Dentro de vinte e cinco anos, era o chefe da organização e

adquiriu títulos de verdadeiro benfeitor do povo. Ganhava dinheiro com imensa

facilidade e socorria infortunados e sOfredores. Dividia o trabalho

equitativamente e distribuía os lucros com justiça e bondade.

O segundo estudou muito tempo e tornou-se juiz famoso. Embora gozasse

do respeito e da estima dos contemporâneos, jamais olvidou os compromissos

que assumira à frente do Evangelho. Defendeu os humildes, auxiliou os pobres

e libertou muitos prisioneiros perseguidos pela maldade. De juiz tornou-se

legislador e cooperou na confecção de leis benéficas e edificantes. Viveu

sempre honrado, rico, feliz, correto e digno.

O terceiro, porém, era paralítico. Não podia usar a inteligência com

facilidade. Não poderia comandar uma fábrica, nem dominar um tribunal. Tinha

as pernas mirradas. O leito era a sua residência. Lembrou, contudo, que

poderia fazer um serviço de oração e começou a tarefa pela humilde mulher

que lhe fazia a limpeza doméstica.

Viu-a triste e lacrimosa e procurou conhecer-lhe as mágoas com discrição e

fraternidade. Confortou-a com ternura de irmão. Convidou-a a orar e pediu para

ela as bénçãos divinas.

Bastou isto e, em breve, trazidos pela servidora reconhecida, outros

sofredores vinham rogar-lhe o concurso da prece. O aposento singelo encheuse

de necessitados. Orava em companhia de todos, oferecia-lhes o sorriso de

confiança na bondade celeste. Comentava os benefícios da dor, expunha suas

esperanças no Reino Divino. Dava de si mesmo, gastando emoções e energias

no santo serviço do bem. Escrevia cartas inúmeras, consolando viúvas e

órfãos, doentes e infortunados, insuflando-lhes paz e coragem. Comia pouco e

repousava menos. Tanto sofreu com as dores alheias que chegou a esquecerse

de si mesmo e tanto trabalhou que perdeu o dom da vista. Cego, contudo,

não ficou sozinho. Prosseguiu colaborando com os sofredores, através da

oração, ajudando-os, cada vez mais.

Morreram os três irmãos, em idade avançada, com pequenas diferenças de

tempo.

Quando se reuniram, na vida espiritual, veio um Anjo examinar-lhes as

obras com uma balança.

O industrial e o juiz traziam grande bagagem, que se constituía de várias

bolsas, recheadas com o dinheiro e com as sentenças que haviam distribuído

em benefício de muitos. O servidor da prece trazia apenas pequeno livro, onde

costumava escrever suas rogativas.

O primeiro foi abençoado pelo conforto que espalhou com os necessitados

e o segundo foi também louvado pela justiça que semeara sabiamente.

Quando o Anjo, porém, abriu o livro do ex-paralítico, dele saiu uma grande luz,

que tudo envolveu numa coroa resplandecente. A balança foi incapaz de medirlhe

a grandeza.

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Então, o Mensageiro falou-lhe, feliz:

— Teus irmãos são benditos na Casa do Pai pelos recursos que

distribuíram, em favor do próximo, mas, em verdade, não é muito difícil ajudar

com o dinheiro e com a faina que se multiplicam facilmente no mundo. Sê,

porém, bem-aventurado, porque deste de ti mesmo, no amor santificante.

Gastaste as mãos, os olhos, o coração, as forças, os sentimentos e o tempo a

benefício dos semelhantes e a Lei do Sacrifício determina que a tua moradia

seja mais alta. Não transmitiste apenas os bens da vida: irradiaste os dons de

Deus.

E o servidor humilde do povo foi conduzido a um céu mais elevado, de

onde passou a exercer autoridade sobre muita gente.

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O servo feliz

Certo dia, chegaram ao Céu um Marechal, um Filósofo, um Político e um

Lavrador.

Um Emissário Divino recebeu-os, em elevada esfera, a fim de ouvi-los.

O Marechal aproximou-se, reverente, e falou:

— Mensageiro do Comando Supremo, venho da Terra distante. Conquistei

muitas medalhas de mérito, venci numerosos inimigos, recebi várias homenagens

em monumentos que me honram o nome.

— Que deseja em troca de seus grandes serviços? — indagou o Enviado.

— Quero entrar no Céu.

O Anjo respondeu sem vacilar:

— Por enquanto, não pode receber a dádiva. Soldados e adversários,

mulheres e crianças chamam-no insistentemente da Terra. Verifique o que

alegam de sua passagem pelo mundo e volte mais tarde.

O Filósofo acercou-se do preposto divino e

— Anjo do Criador Eterno, venho do acanhado círculo dos homens. Dei às

criaturas muita matéria de pensamento. Fui laureado por academias diversas.

Meu retrato figura na galeria dos dicionários terrestres.

— Que pretende pelo que fez? — perguntou o Emissário.

— Quero entrar no Céu.

— Por agora, porém — respondeu o mensageiro sem titubear —, não lhe

cabe a concessão. Muitas mentes estão trabalhando com as idéias que você

deixou no mundo e reclamam-lhe a presença, de modo a saberem separar-lhe

os caprichos pessoais da inspiração sublime. Regresse ao velho posto,

solucione seus problemas e torne oportuna-mente.

O Político tomou a palavra e acentuou:

— Ministro do Todo-Poderoso, fui administrador dos interesses públicos.

Assinei várias leis que influenciaram meu tempo. Meu nome figura em muitos

documentos oficiais.

— Que pede em compensação? — perguntou o Missionário do Alto.

— Quero entrar no Céu.

O Enviado, no entanto, respondeu, firme:

— Por enquanto, não pode ser atendido. O povo mantém opiniões

divergentes a seu respeito. Inúmeras pessoas pronunciam-lhe o nome com

amargura e esses clamores chegam até aqui. Retorne ao seu gabinete, atenda

às questões que lhe interessam a paz Íntima e volte depois.

Aproximou-se, então, o Lavrador e falou, humilde:

— Mensageiro de Nosso Pai, fui cultivador da terra... plantei o milho, o

arroz, a batata e o feijão. Ninguém me conhece, mas eu tive a glória de

conhecer as bênçãos de Deus e recebê-las, nos raios do Sol, na chuva

benfeitora, no chão abençoado, nas sementes, nas flores, nos frutos, no amor

e na ternura de meus filhinhos...

O Anjo sorriu e disse:

— Que prêmio deseja?

O Lavrador pediu, chorando de emoção:

— Se Nosso Pai permitir, desejaria voltar ao campo e continuar

trabalhando. Tenho saudades da contemplação dos milagres de cada dia... A

luz surgindo no firmamento em horas certas, a flor desabrochando por si

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mesma, o pão a multiplicar-se!... Se puder, plantarei o solo novamente para ver

a grandeza divina a revelar-se no grão, transformado em dadivosa espiga...

Não aspiro a outra felicidade senão a de prosseguir aprendendo, semeando,

louvando e servindo!...

O Mensageiro Espiritual abraçou-o e exclamou, chorando igualmente, de

júbilo:

— Venha comigo! O Senhor deseja vê-lo e ouvi-lo, porque diante do Trono

Celestial apenas comparece quem procura trabalhar e servir sem recompensa.

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Rebeldia

O pequeno rebelde amava a Mãezinha viúva com entranhado amor;

entretanto, iludido pela indisciplina, dava ouvido, aos conselhos perversos.

Estimava a leitura de episódios sensacionais, em que homens revoltados

formam quadrilhas de malfeitores, nas cidades grandes, e, a qualquer página

edificante, preferia o folhetim com aventuras desagradáveis ou criminosas.

Engolfou-se em tantas histórias de gente má que, embora a palavra materna o

convidasse ao trabalho digno, trazia sempre respostas negativas e rudes na

ponta da língua.

— Filho — exclamava a senhora paciente —, homem de bem acomodase

no serviço.

— Eu não! — replicava, zombeteiro.

— Vamos à oficina. O chefe prometeu ceder-te um lugar.

— Não vou! não vou!...

—Mas já deixaste a escola, meu filho. É tempo de crescer e progredir

nos deveres bem cumpridos.

— Não fui à escola, a fim de escravizar-me. Tenho inteligência. Ganharei

com menor esforço.

E enquanto a genitora costurava, até tarde, de modo a manter a casa

modesta, o filho, já rapaz, vivia habitualmente na rua movimentada. Tomava

alcoólicos em excesso e entregava-se a companhias perigosas que, pouco a

pouco, lhe degradaram o caráter.

Chegava a casa, embriagado, altas horas da noite, muita vez conduzido

por guardas policiais.

Vinha a devotada Mãe com o socorro de todos os instantes e rogava-lhe,

no outro dia:

— Filho, trabalhemos dignamente. Todo tempo é adequado à retificação

dos nossos erros.

Atrevido e ingrato, resmungava:

— A senhora não me entende. Cale-se. Só fala em dever, dever, dever...

A pobre costureira pedia-lhe calma, juízo e chorava, depois, em preces.

Avançando no vicio, o rapaz começou a às escondidas. Assaltava

instituições comerciais, onde sabia fácil o acesso ao dinheiro; e quando a

Mãezinha, adivinhando-lhe as faltas, tentou aconselhá-lo, gritou:

— Mãe, não preciso de suas observações! Deixá-la-ei em paz e voltarei,

mais tarde, com

grande fortuna. Dar-lhe-ei casa, roupa e bem-estar com fartura. A senhora tem

o pensamento preso a obrigações porque, desde cedo, vem atravessando vida

miserável.

Assim dizendo, fugiu para a via pública e não regressou ao lar.

Ninguém mais soube dele. Ausentara-se, definitivamente, em direção a

importante metrópole, alimentando o propósito de furtar recursos alheios, de

maneira a voltar muito rico ao convívio maternal.

Passou o tempo.

Um, dois, três, quatro, cinco anos...

A Mãezinha, contudo, não perdeu a esperança de reencontrá-lo.

Certo dia, a imprensa estampou nos jornais o retrato de um ladrão que

se tornava famoso pela audácia e inteligência.

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A costureira reconheceu nele o filho e tocou para a cidade que o

abrigava.

A policia não lhe conhecia o endereço e, porque fosse difícil localizá-lo

rapidamente, a senhora tomou quarto num hotel, a fim de esperar.

Na terceira noite em que aí se encontrava, notou que um homem

embuçado lhe penetrava o aposento às escuras. Aproximou-se apressado para

surripiar-lhe a bolsa. Ela tossiu e ia gritar por socorro, quando o ladrão,

temendo as conseqüências, lhe agarrou a garganta e estrangulou-a.

Nos estertores da morte, a costureira reconheceu a presença do filho e

murmurou, debilmente:

— Meu... meu... filho...

Alucinado, o rapaz fez luz, identificou a Mãezinha já morta e caiu de

joelhos, gritando de dor selvagem.

A desobediência conduzira-o, progressivamente, ao crime e à loucura.

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O grande príncipe

Um rei oriental, poderoso e sábio, achando-se envelhecido e doente,

reuniu os três filhos, deu a cada um deles dois camelos carregados de ouro,

prata e pedras preciosas e determinou-lhes gastar esses tesouros, em viagens

pelo reino, durante três meses, com a obrigação de voltarem, logo após, a fim

de que ele pudesse efetuar a escolha do príncipe que o sucederia no trono.

Findo o prazo estabelecido, os jovens regressaram à casa paterna.

Os dois mais velhos exibiam mantos riquíssimos e chegaram com

enorme ruido de carruagens, mas o terceiro vinha cansado e ofegante,

arrimando-se a um bordão qual mendigo, despertando a ironia e o assombro

de muita gente.

O rei bondoso abençoou-os discretamente e dispôs-se a ouvi-los,

perante compacta multidão.

O primeiro aproximou-se, fez larga reverência, e notificou:

— Meu pai e meu soberano, viajei em todo o centro do País e adquiri,

para teu descanso, um admirável palácio, onde teu nome será venerado para

sempre. Comprei escravos vigorosos que te sirvam e reuni, nesse castelo,

digno de ti, todas as maravilhas de nosso tempo. Dessa moradia resplandecente,

poderás governar sempre honrado, forte e feliz.

O monarca pronunciou algumas palavras de agradecimento, mostrou

amoroso gesto de aprovação e mandou que o segundo filho se adiantasse:

— Meu pai e meu rei! — exclamou, contente — trago-te a coleção de

tapetes mais ricos do mundo. Dezenas de pessoas perderam o dom da vista, a

fim de tecê-los. Aproxima-se da cidade uma caravana de vinte camelos,

carregando essas preciosidades que te ofereço, ó augusto dirigente, para

revelares tua fortuna e poder!...

O monarca expressou gratidão numa frase carinhosa e recomendou que

o mais moço tomasse a palavra.

O filho mais novo, alquebrado e mal vestido, ajoelhou-se e falou, então:

— Amado pai, não trouxe qualquer troféu para o teu trono venerável e

glorioso... Viajei pela terra que o Supremo Senhor te confiou, de NortE a Sul e

de Leste a Oeste, e vi que os súditos esperam de teu governo a paz e o bemestar,

tanto quanto o crente aguarda a felicidade da Proteção do Céu... Nas

montanhas, encontrei a febre devorando corpos mal abrigados e movimentei

médicos e remédios, em favor dos sofredores. Ao Norte, vi a ignorância

dominando milhares de meninos e jovens desamparados e instalei escolas em

nome de tua administração justiceira. A Oeste, nas regiões pantanosas, fui

surpreendido por bandos de leprosos e dei-lhes conveniente asilo em teu

nome. Nas cidades do Sul, notei que centenas de mulheres e crianças são

vilmente exploradas pela maldade humana e iniciei a construção de oficinas em

que o trabalho edificante as recolha. Nas fronteiras, conheci inúmeros escravos

de ombros feridos, amargurados e doentes, e libertei-os, anunciando-lhes a

magnanimidade de tua coroa!...

A comoção interrompeu-o. Fez-se grande silêncio e viu-se que o velho

soberano mostrava os olhos cheios de lágrimas.

O rapaz côbrou novo ânimo e terminou:

— Perdoa-me se entreguei teu dinheiro aos necessitados e desculpa-me

se regresso à tua presença envolvido em extrema pobreza, por haver co15

nhecido, de perto, a miséria, a enfermidade, a ignorância e a fome nos

domínios que o Céu conferiu às tuas mãos benfeitoras... A única dádiva que te

trago, amado pai, é o meu coração reconhecido pelo ensinamento que me

deste, permitindo-me contemplar o serviço que me cabe fazer... Não desejo

descansar enquanto houver sofrimento neste reino, porque aprendi contigo que

as necessidades dos filhos do povo são iguais às dos filhos do rei!...

O velho monarca, em pranto, muito trêmulo, desceu do trono, abraçou

demoradamente o filho esfarrapado, retirou a coroa e colocou-a sobre a fronte

—dele, exclamando, solene:

— Grande Príncipe: Deus, o Eterno Senhor te abençoe para sempre! É a

ti que compete o direito de governar, enquanto viveres.

A multidão aplaudiu, delirando de júbilo, enquanto o jovem soberano,

ajoelhado, soluçava de emoção e reconhecimento.

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O juiz reto

Ao tribunal de Eliaquim ben Jefté, juiz respeitável e sábio, compareceu o

negociante Jonatan

ben Caiar arrastando Zorobabel, miserável mendigo.

— Este homem — clamou o comerciante, furioso — impingiu-me um logro

de vastas proporções! Vendeu-me um colar de pérolas falsas, por cinco peças

de ouro, asseverando que valiam cinco mil. Comprei as jóias, crendo haver

realizado excelente negócio, descobrindo, afinal, que o preço delas é inferior a

dois ovos cozidos. Reclamei diretamente contra o mistificador, mas este

vagabundo já me gastou o rico dinheiro. Exijo para ele as penas da justiça! É

ladrão reles e condenável!...

O magistrado, porém, que cultuava a Justiça Suprema, recomendou que o

acusado se pronunciasse por sua vez:

— Grande juiz — disse ele, timidamente —, reconheço haver transgredido

os regulamentos que nos regem. Entretanto, tenho meus dois filhos estirados

na cama e debalde procuro trabalho digno, pois mo recusam sempre, a

pretexto de minha idade e de minha pobre apresentação. Realmente, enganei

o meu próximo e sou criminoso, mas prometo resgatar meu débito logo que

puder.

O juiz meditou longamente e sentenciou:

— Para Zorobabel, o mendigo, cinco bastonadas entre quatro paredes, a

fim de que aprenda a sofrer honestamente, sem assalto à bolsa dos

semelhantes, e, para Jonatan, o mercador, vinte bastonadas, na praça pública,

de modo a não mais abusar dos humildes.

O negociante protestou, revoltado:

— Que ouço? Sou vítima de um ladrão e devo pagar por faltas que não

cometi? Iniqüidade! iniqüidade!...

O magistrado, todavia, bateu forte com um martelo sobre a mesa,

chamando a atenção dos presentes, e esclareceu, em voz alta:

— Jonatan ben Caiar, a justiça verdadeira não reside na Terra para

examinar as aparências. Zorobabel, o vagabundo, chefe de uma família infeliz,

furtou-te cinco peças de ouro, no propósito de socorrer os filhos desventurados,

porém, tu, por tua vez, tentaste roubar dele, valendo-te do infortúnio que o

persegue, apoderando-te de um objeto que acreditaste valer cinco mil peças de

ouro ao preço irrisório de cinco. Quem é mais nocivo à sociedade, perante

Deus: o mísero esfomeado que rouba um pão, a fim de matar a fome dos

filhos, ou o homem já atendido pela Bondade do Eterno, com os dons da

fortuna e da habilidade, que absorve para si uma padaria inteira, a fim de

abusar, calculadamente, da alheia indigência? Quem furta por necessidade

pode ser um louco, mas quem acumula riquezas, indefinidamente, sem

movimentá-las no trabalho construtivo ou na prática do bem, com absoluta

despreocupação pelas angústias dos pobres, muita vez passará por inteligente

e sagaz, aos olhos daqueles que, no mundo, adormeceram no egoísmo e na

ambição desmedida, mas é malfeitor diante do Todo-Poderoso que nos julgará

a todos, no momento oportuno.

E, sob a vigilância de guardas robustos, Zorobabel tomou cinco bastonadas

em sala de portas lacradas, para aprender a sofrer sem roubar, e Jonatan

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apanhou vinte, na via pública, de modo a não mais explorar, sem escrúpulos, a

miséria, a simplicidade e a confiança do povo.

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O ricaço distraído

Existiu um homem devoto que chegou ao Céu e, sendo recebido por um

Anjo do Senhor, implorou, enlevado:

— Mensageiro Divino, que devo fazer para vir morar, em definitivo, ao lado

de Jesus?

— Faze o bem — informou o Anjo — e volta mais tarde.

— Posso rogar-te recursos para semelhante missão?

— Pede o que desejas.

— Quero dinheiro, muito dinheiro, para socorrer o meu próximo.

O emissário estranhou o pedido e considerou:

— Nem sempre o ouro é o auxiliar mais eficiente para isso.

— Penso, contudo, meu santo amigo, que, sem ouro, é muito difícil praticar

a caridade.

— E não temes as tentações do caminho?

— Não.

— Terás o que almejas — afirmou o mensageiro —, mas não te esqueças

de que o tesouro de cada homem permanece onde tem o coração, porque toda

alma reside onde coloca o pensamento. Tuas possibilidades materiais serão

multiplicadas. No entanto, não olvides que as dádivas divinas, quando retidas

despropositadamente pelo homem, sem qualquer proveito para os

semelhantes, transformam-no em prisioneiro delas. A lei determina sejamos

escravos dos excessos a que nos entregarmos.

Prometeu o homem exercer a caridade, servir extensamente e retornou ao

mundo.

Os Anjos da Prosperidade começaram, então, a ajudá-lo.

Multiplicaram-lhe, de início, as peças de roupa e os pratos de alimentação;

todavia, o devoto já remediado suplicou mais roupas e mais alimentos. Deramlhe

casa e haveres. Longe, contudo, de praticar o bem, considerava sempre

escassos os dons que possuia e rogou mais casas e mais haveres. Trouxeramlhe

rebanhos e chá-caras, mas o interessado em subir ao paraíso pela senda

da caridade, temendo agora a miséria, implorou mais rebanhos e mais

chácaras. Não cedia

um quarto, nem dava uma sopa a ninguém, declarando-se sem recursos para

auxiliar os necessitados e esperava sempre mais, a fim de distribuir algum pão

com eles. No entanto, quanto mais o Céu lhe dava, mais exigia do Céu.

De espontâneo e alegre que era, passou a ser desconfiado, carrancudo e

arredio.

Receando amigos e inimigos, escondia grandes somas em caixa forte, e

quando envelheceu, de todo, veio a morte, separando-o da imensa fortuna.

Com surpresa, acordou em espírito, deitado no cofre grande.

Objetos preciosos, pedaços de ouro e prata e vastas pilhas de cédulas

usadas serviam-lhe de leito. Tinha fome e sede, mas não podia servir-se das

moedas; queria a liberdade, porém, as notas de banco pareciam agarrá-lo, à

maneira do visco retentor de pássaro cativo.

— Santo Anjo! — gritou, em pranto —vem! Ajuda-me a partir, em direção à

Casa Celestial!...

O mensageiro dignou-se baixar até ele e, reparando-lhe o sofrimento,

exclamou:

19

— É muito tarde para súplicas! Estás sufocado pela corrente de facilidades

materiais que o Senhor te confiou, porque a fizeste rolar tão sômente em torno

de ti, sem qualquer benefício para os irmãos de luta e experiencia...

— E que devo fazer — implorou o infeliz —para retomar a paz e ganhar o

paraíso?

O Anjo pensou, pensou... e respondeu:

- Espalha com proveito as moedas que ajuntaste inutilmente, desfaze-te da

terra vasta que retiveste em vão, entrega à circulação do bem todos os valores

que recebeste do Tesouro Divino e que amontoaste em derredor de teus pós,

atendendo ao egoísmo, à vaidade, à avareza e àambição destrutiva e, depois

disso, vem a mim para retomarmos o entendimento efetuado há sessenta

anos...

Reconhecendo, porém, o homem que já não dispunha de um corpo de

carne para semelhante serviço, começou a gritar e blasfemar, como se o

inferno estivesse morando em sua própria consciência.

20

10

O burro de carga

No tempo em que não havia automóveis, na cocheira de famoso palácio

real um burro de carga curtia imensa amargura, em vista das pilhérias e

remoques dos companheiros de apartamento.

Reparando-lhe o pêlo maltratado, as fundas cicatrizes do lombo e a cabeça

tristonha e humilde, aproximou-se formoso cavalo árabe, que se fizera detentor

de muitos prêmios, e disse, orgulhoso:

— Triste sina a que recebeste! Não invejas minha posição nas corridas?

Sou acariciado por mãos de princesas e elogiado pela palavra dos reis!

— Pudera! exclamou um potro de fina origem inglesa — como conseguirá

um burro entender o brilho das apostas e o gosto da caça?

O infortunado animal recebia os sarcasmos, resignadamente.

Outro soberbo cavalo, de procedência húngara, entrou no assunto e

comentou:

— Há dez anos, quando me ausentei de pastagem vizinha, vi este

miserável sofrendo rudemente nas mãos de bruto amansador. É tão covarde

que não chegava a reagir, nem mesmo com um coice. Não nasceu senão para

carga e pancadas. É vergonhoso suportar-lhe a companhia.

Nisto, admirável jumento espanhol acercou-se do grupo, e acentuou sem

piedade:

— Lastimo reconhecer neste burro um parente próximo. É animal

desonrado, fraco, inútil... Não sabe viver senão sob pesadas disciplinas. Ignora

o aprumo da dignidade pessoal e desconhece o amor próprio. Aceito os

deveres que me competem até o justo limite; mas, se me constrangem a

ultrapassar as obrigações, recuso-me à obediência, pinoteio e sou capaz de

matar.

As observações insultuosas não haviam terminado, quando o rei penetrou o

recinto, em companhia do chefe das cavalariças.

— Preciso de um animal para serviço de grande responsabilidade —

informou o monarca —, animal dócil e educado, que mereça absoluta

confiança.

O empregado perguntou:

— Não prefere o árabe, Majestade?

Não, não — falou o soberano — é muito altivo e só serve para corridas

em festejos oficiais sem maior importância.

— Não quer o potro inglês?

— De modo algum. É muito irrequieto e não vai além das extravagâncias da

caça.

— Não deseja o húngaro?

— Não, não. É bravio, sem qualquer educação. É apenas um pastor de

rebanho.

— O jumento serviria? — insistiu o servidor atencioso.

— De maneira nenhuma. É manhoso e não merece confiança.

Decorridos alguns instantes de silêncio, o soberano indagou:

— Onde está o meu burro de carga?

O chefe das cocheiras indicou-o, entre os demais.

O próprio rei puxou-o carinhosamente para fora, mandou ajaezá-lo com as

21

armas resplandecentes de sua Casa e confiou-lhe o filho, ainda criança, para

longa viagem.

Assim também acontece na vida. Em todas as ocasiões, temos sempre

grande número de amigos, de conhecidos e companheiros, mas somente nos

prestam serviços de utilidade real aqueles que já aprenderam a suportar, servir

e sofrer, sem cogitar de si mesmos.

22

11

A lição inesquecível

Hilda, menina abastada, diariamente dirigia más palavras à pequena

vendedora de doces que

lhe batia humildemente à porta da casa.

— Que vergonha! De bandeja! de esquina a esquina! Vai-te daqui! —

gritava, sem razão.

A modesta menina se punha pálida e trêmula.

Entrementes, a dona da casa, tentando educar a filha, vinha ao encontro

da pequena humilhada e dizia, bondosa:

— Que doces tão perfeitos! Quem os fez assim tão lindos?

A mocinha, reanimada, respondia, contente:

— Foi a mamãe.

A generosa senhora comprava sempre alguma coisa e, em seguida,

recomendava à filha:

- Hilda, não brinques com o destino. Nunca expulses o necessitado que

nos procura. Quem sabe o que sucederá amanhã? Aqueles que socorremos

serão provavelmente os nossos benfeitores.

A menina resmungava e, à noite, ao jantar, o pai secundava os

conselhos maternos, acrescentando:

- Não zombes de ninguém, minha filha! o trabalho, por mais humilde, é

sempre respeitável e edificante. Por certo, dolorosas necessidades impelirão

uma criança a vender doces, de porta em porta.

Hilda, contudo, no dia seguinte, fustigava a vendedora, exclamando:

- Fora daqui! Bruxa! bruxa!...

A mãe devotada acolhia a pequena descalça e repetia à filha as

advertências carinhosas da véspera.

Correu o tempo e, depois de quatro anos, o quadro da vida se

modificara.

O paizinho de Hilda adoeceu e debalde os médicos procuraram salvá-lo.

Morreu numa tarde calma, deixando o lar vazio.

A viúva recolheu-se ao leito extremamente abatida e, com as despesas

enormes, em breve a pobreza e o desconforto invadiram-lhe a residência. A

pobre senhora mal podia mover-se.

Privações chegaram em bando. A menina, anteriormente abastada, não

podia agora comprar nem mesmo um par de sapatos.

Aflita por resolver a angustiosa situação, certa noite Hilda chorou

muitíssimo, lembrando-se do papai. Dormiu, lacrimosa, e sonhou que ele vinha

do Céu confortá-la. Ouviu-o dizer, perfeitamente:

- Não desanimes, minha filha! vai trabalhar! Vende doces para auxiliar a

mamãe!...

Despertou, no dia imediato, com o propósito firme de seguir o conselho.

Ajudou a mãezinha enferma a fazer muitos quadrinhos de doce de leite

e, logo após, saiu a vendê-los. Algumas pessoas generosas compravam-nos

com evidente intuito de auxiliá-la; entretanto, outras criaturas, principalmente

meninos perversos, gritavam-lhe aos ouvidos:

- Sai daqui! Bruxa de bandeja!...

Sentia-se triste e desalentada, quando bateu à porta de uma casa

modesta. Graciosa jovem atendeu.

23

Ah! que surpresa! era a menina pobre que costumava vender cocadas

noutro tempo. Estava crescidinha, bem vestida e bonita.

Hilda esperou que ela a maltratasse por vingança, mas a jovem humilde

fitou nela os grandes olhos, reconheceu-a, compreendeu-lhe a nova situação e

exclamou, contente:

- Que doces tão perfeitos! Quem os fez assim tão lindos?

A interpelada lembrou os ensinamentos maternos de anos passados e

informou:

- Foi a mamãe.

A ex-vendedora comprou quantos quadrinhos restavam na bandeja e

abraçou-a com sincera amizade.

Desse dia em diante, a menina vaidosa transformou-se para sempre. A

experiência lhe dera inesquecível lição.

24

12

A arma infalível

Certo dia, um homem revoltado criou um poderoso e longo pensamento de

ódio, colocou-o numa carta rude e malcriada e mandou-o para o chefe da

oficina de que fora despedido.

O pensamento foi vazado em forma de ameaças cruéis. E quando o diretor

do serviço leu as frases ingratas que o expressava, acolheu-o, desprevenidamente,

no próprio coração, e tornou-se furioso sem saber porquê.

Encontrou, quase de imediato, o sub-chefe da oficina e, a pretexto de enxergar

uma pequena peça quebrada, desfechou sobre ele a bomba mental que trazia

consigo.

Foi a vez do sub-chefe tornar-se neurastênico, sem dar o motivo. Abrigou a

projeção maléfica no sentimento, permaneceu amuado várias horas e, no

instante do almoço, ao invés de alimentar-se, descarregou na esposa o

perigoso dardo intangível. Tão só por ver um sapato imperfeitamente

engraxado, proferiu dezenas de palavras feias; sentiu-se aliviado e a mulher

passou a asilar no peito a odienta vibração, em forma de cólera inexplicável.

Repentinamente transtornada pelo raio que a ferira e que, até ali, ninguém

soubera remover, encaminhou-se para a empregada que se incumbia do

serviço de calçados e desabafou. Com palavras indesejáveis inoculou-lhe no

coração o estilete invisível.

Agora, era uma pobre menina quem detinha o tóxico mental. Não podendo

despejá-lo nos pratos e xícaras ao alcance de suas mãos, em vista do enorme

débito em dinheiro que seria compelida a aceitar, acercou-se de velho cão,

dorminhoco e paciente, e transferiu-lhe o veneno imponderável, num pontapé

de largas proporções.

O animal ganiu e disparou, tocado pela energia mortífera, e, para livrar-se

desta, mordeu a primeira pessoa que encontrou na via pública.

Era a senhora de um proprietário vizinho que, ferida na coxa, se enfureceu

instantânea-mente, possuída pela força maléfica. Em gritaria desesperada, foi

conduzida a certa farmácia; entretanto, deu-se pressa em transferir ao enfermeiro

que a socorria a vibração amaldiçoada. Crivou-o de xingamentos e

esbofeteou-lhe o rosto.

O rapaz muito prestativo, de calmo que era, converteu-se em fera

verdadeira. Revidou os

golpes recebidos com observações àsperas e saiu, alucinado, para a

residência, onde a velha e devotada mãezinha o esperava para a refeição da

tarde. Chegou e descarregou sobre ela toda a ira de que era portador.

— Estou farto! — bradou — a senhora é culpada dos aborrecimentos que

me perseguem! Não suporto mais esta vida infeliz! Fuja de minha frente!...

Pronunciou nomes terríveis. Blasfemou. Gritou, colérico, qual louco.

A velhinha, porém, longe de agastar-se, tomou-lhe as mãos e disse-lhe

com naturalidade e brandura:

— Venha cá, meu filho! Você está cansado e doente! Sei a extensão de

seus sacrifícios por mim e reconheço que tem razão para lamentar-se. No

entanto, tenhamos bom ânimo! Lembremo-nos de Jesus!... Tudo passa na

Terra. Não nos esqueçamos do amor que o Mestre nos legou...

Abraçou-o, comovida, e afagou-lhe os cabelos!

O filho demorou-se a contemplar-lhe os olhos serenos e reconheceu que

25

havia no carinho materno tanto perdão e tanto entendimento que começou a

chorar, pedindo-lhe desculpas.

Houve então entre os dois uma explosão de íntimas alegrias. Jantaram

felizes e oraram em sinal de reconhecimento a Deus.

A projeção destrutiva do ódio morrera, afinal, ali, dentro do lar humilde,

diante da força infalível e sublime do amor.

26

13

O servidor negligente

À porta de grande carpintaria, chegou um rapaz, de caixa às costas, à

procura de emprego.

Parecia humilde e educado.

O diretor da instituição compareceu, atencioso, para atendê-lo.

— Tem serviço com que me possa favorecer? — indagou o jovem,

respeitoso, depois das saudações habituais.

— As tarefas são muitas — elucidou o chefe.

— Oh! por favor! — tornou o interessado — meus velhos pais necessitam

de amparo. Tenho batido, em vão, à porta de várias oficinas. Ninguém me

socorre. Contentar-me-ei com salário reduzido e aceitarei o horário que

desejar.

O diretor, muito calmo, acentuou:

— Trabalho não falta...

E, enquanto o candidato mostrava um sorriso de esperança, acrescentou:

— Traz suas ferramentas em ordem?

— Perfeitamente — respondeu o interpelado.

— Vejamo-las.

O moço abriu a caixa que trazia. Metia pena reparar-lhe os instrumentos.

A enxó se achava deformada pela ferrugem grossa.

O serrote mostrava vários dentes quebrados.

O martelo tinha cabo incompleto.

O alicate estava francamente desconjuntado.

Diversos formões não atenderiam a qualquer apelo de serviço, tal a

imperfeição que apresentavam seus gumes.

Poeira espessa recobria todos os objetos.

O dirigente da oficina observou... observou... e disse, desencantado:

— Para o senhor, não temos qualquer trabalho.

— Oh! porquê? — interrogou o rapaz, em tom de súplica.

O diretor esclareceu, sem azedume:

— Se o senhor não tem cuidado com as ferramentas que lhe pertencem,

como preservará nossas máquinas? se é indiferente naquilo em que deve

sentir-se honrado, chegará a ser útil aos interesses alheios? quem não zela

atentamente no “pouco” de que dispõe, não é digno de receber o “muito”.

Aprenda a cuidar das coisas aparentemente sem importância. Pelas amostras,

grandes negócios se realizam neste mundo e o menosprezo para consigo é

indesejável mostruário de sua indiferença perniciosa. Aproveite a experiência e

volte mais tarde.

Não valeram petitórios do moço necessitado. Foi compelido a retirar-se, em

grande abatimento, guardando a dura lição.

Assim também acontece no caminho comum.

Quem deseja o corpo iluminado e glorioso na espiritualidade, além da

morte, cuide respeitosamente do corpo físico.

Quem aspira à companhia dos anjos, mostre boas maneiras, boas palavras

e boas ações aos vizinhos.

Quem espera a colheita de alegrias no futuro, aproveite a hora presente, na

sementeira do bem.

E quantos sonharem com o Céu tratem de fazer um caminho de elevação

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na Terra mesma.

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14

O descuido impensado

No orfanato em que trabalhava, Irmã Clara era o ídolo de toda gente pelas

virtudes que lhe adornavam o caráter.

Era meiga, devotada, diligente.

Daquela boca educada não saíam más palavras.

Se alguém comentava faltas alheias, vinha solícita, aconselhando:

— Tenhamos compaixão... Inclinava a conversa em favor da benevolência

e da paz.

Insuflava em quantos a ouviam o bom ânimo e o amor ao dever.

Além do mais, estimulava, acima de tudo, em todos os circunstantes a boa

vontade de trabalhar e servir para o bem.

— Irmã Clara — dizia uma educadora —, tenho necessidade do vestido

para o sábado próximo.

Ela, que era a costureira dedicada de todos, respondia, contente:

— Trabalharemos até mais tarde. A peça ficará pronta.

— Irmã — intervinha uma das criadas —, e o avental?

— Amanhã será entregue — dizia Clara, sorrindo.

Em todas as atividades, mostrava-se a desvelada criatura qual anjo de

bondade e paciência.

Invariàvelmente rodeada de novelos de linha, respirava entre a agulha e a

máquina de costurar.

Nas horas da prece, demorava-se longamente contrita na oração.

Com a passagem do tempo, tornava-se cada vez mais respeitada. Seus

pareceres eram procurados com interesse.

Transformara-se em admirável autoridade da vida cristã.

Em verdade, porém, fazia por merecer as considerações de que era

cercada.

Amparava sem alarde.

Auxiliava sem preocupação de recompensa.

Sabia ser bondosa, sem humilhar a ninguém com demonstrações de

superioridade.

Rolaram os anos, como sempre, e chegou o dia em que a morte a conduziu

para a vida espiritual.

Na Terra, o corpo da inesquecível benfeitora foi rodeado de flores e

bênçãos, homenagens e cânticos e sua alma subiu, gloriosamente, para o Céu.

Um anjo recebeu-a, carinhoso e alegre, à

entrada.

Cumprimentou-a. Reportou-se aos bens que ela espalhara, todavia, sob

impressão de assombro, Irmã Clara ouviu-o informar:

— Lastimo não possa demorar-se conosco senão por três semanas.

— Oh! porquê? — interrogou a valorosa missionária.

— Será compelida a voltar, tomando novo corpo de carne no mundo —

esclareceu o mensageiro.

— Como assim?

O anjo fitou-a, bondoso, e respondeu:

— A Irmã foi extremamente virtuosa; entretanto, na posição espiritual em

que se encontrava não poderia cometer tão grande descuido. Desperdiçou uma

enormidade de fios de linha, impensadamente. Os novelos que perdeu, por

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alhear-se à noção de aproveitamento, davam para costurar alguns milhares de

vestidos para crianças desamparadas.

— Oh! Oh! Deus me perdoe! — exclamou a santa desencarnada — e como

resgatarei a dívida?

O anjo abraçou-a, carinhoso, e reconfortou-a dizendo:

— Não tema. Todos nós a ajudaremos, mas a querida irmã recomeçará sua

tarefa no mundo, plantando um algodoal.

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15

O poder da gentileza

Eminente professor negro, interessado em fundar uma escola num bairro

pobre, onde centenas de crianças desamparadas cresciam sem o benefício

das letras, foi recebido pelo prefeito da cidade que lhe disse imperativamente,

depois de ouvir-lhe o plano:

— A lei e a bondade nem sempre podem estar juntas. Organize uma casa

e autorizaremos a providência.

— Mas, doutor, não dispomos de recursos... — considerou o benfeitor dos

meninos desprotegidos.

— Que fazer?

—De qualquer modo, cabe-nos amparar os pequenos analfabetos.

O prefeito reparou-lhe demoradamente a figura humilde, fêz um riso

escarninho e acrescentou:

— O senhor não pode intervir na administração.

O professor, muito triste, retirou-se e passou a tarde e a noite daquele

sábado, pensando, pensando...

Domingo, muito cedo, saiu a passear, sob as grandes árvores, na direção

de antigo mercado.

Ia comentando, na oração silenciosa:

— Meu Deus, como agir? Não receberemos um pouso para as criancinhas,

Senhor?

Absorvido na meditação, atingiu o mercado e entrou.

O movimento era enorme.

Muitas compras. Muita gente.

Certa senhora, de apresentação distinta, aproximou-se dele e tomando-o

por servidor vulgar, de mãos desocupadas e cabeça vazia, exclamou:

— Meu velho, venha cá.

O professor acompanhou-a, sem vacilar.

À frente dum saco enorme, em que se amontoavam mais de trinta quilos de

verdura, a matrona recomendou:

— Traga-me esta encomenda.

Colocou ele o fardo às costas e seguiu-a.

Caminharam seguramente uns quinhentos metros e penetraram elegante

vivenda, onde a senhora voltou a solicitar:

— Tenho visitas hoje. Poderá ajudar-me no serviço geral?

— Perfeitamente — respondeu o interpelado —, dê suas ordens.

Ela indicou pequeno pátio e determinou-lhe a preparação de meio metro de

lenha para o fogão.

Empunhando o machado, o educador, com esforço, rachou algumas toras.

Findo o serviço, foi chamado para retificar a chaminé. Consertou-a com

sacrifício da própria roupa. Sujo de pó escuro, da cabeça aos pés, recebeu

ordem de buscar um peru assado, à distância de dois quilômetros. Pôs-se a

caminho, trazendo o grande prato em pouco tempo. Logo após, atirou-se à

limpeza de extenso recinto em que se efetuaria lauto almoço.

Nas primeiras horas da tarde, sete pessoas davam entrada no fidalgo

domicílio. Entre elas, relacionava-se o prefeito que anotou a presença do

visitante da véspera, apresentado ao seu gabinete por autoridades

respeitáveis. Reservadamente, indagou da irmã, que era a dona da casa,

31

quanto ao novo conhecimento, conversando ambos em surdina.

Ao fim do dia, a matrona distinta e autoritária, com visível desapontamento,

veio ao servo improvisado e pediu o preço dos trabalhos.

— Não pense nisto — respondeu com sinceridade —, tive muito prazer em

ser-lhe útil.

No dia imediato, contudo, a dama da véspera procurou-o, na casa modesta

em que se hospedava e, depois de rogar-lhe desculpas, anunciou-lhe a

concessão de amplo edifício, destinado à escola que pretendia estabelecer. As

crianças usariam o patrimônio à vontade e o prefeito autorizaria a providência

com satisfação.

Deixando transparecer nos olhos húmidos a alegria e o reconhecimento

que lhe reinavam nalma, o professor agradeceu e beijou-lhe as mãos,

respeitoso.

A bondade dele vencera os impedimentos legais.

O exemplo é mais vigoroso que a argumentação.

A gentileza está revestida, em toda parte, de glorioso poder.

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16

A trilogia bendita

Em tempos remotos, o Senhor vinha ao mundo frequentes vezes entenderse

com as criaturas.

Certa vez, encontrou um homem irado e mau, que outra coisa não fazia

senão atormentar os semelhantes. Perseguia, feria e matava sem piedade.

Quando esse espírito selvagem viu o Senhor, aproximou-se atraído pela luz

dEle, a chorar de arrependimento.

O Cristo, bondoso, dirigiu-lhe a palavra:

— Meu filho, porque te entregaste assim à perversidade? Não temes a

justiça do Pai? Não acreditas no Celeste Poder? A vida exige fraternidade e

compreensão.

O malfeitor, que se mantinha prisioneiro da ignorância, respondeu em

lágrimas:

— Senhor, de hoje em diante serei um homem bom.

Alguns anos passaram e Jesus voltou ao mesmo sítio. Lembrou-se do

infeliz a quem havia aconselhado e buscou-o. Depois de certa procura, foi

achá-lo oculto numa choça, extremamente abatido. Interpelado quanto à causa

de tão lamentável transformação, o mísero respondeu:

— Ai de mim, Senhor! Depois que passei a ser bom, ninguém me respeitou!

Fiz-me escárnio da rua... Tenho usado a compaixão e a generosidade,

segundo me ensinaste, mas em troca recebo apenas o ridículo, a pedrada e a

dilaceração...

O Mestre, porém, abençoou-o e falou.

— O teu lucro na eternidade não será pequeno com o sacrifício. Entretanto,

não basta reter a bondade. É necessário saber distribuí-la. Para bem ajudar, é

preciso discernir. Realmente é possível auxiliar a todos. Contudo, se a muita

gente devemos ternura fraterna, a numerosos companheiros de jornada

devemos esclarecimento enérgico. Estimularemos os bons a serem melhores e

cooperaremos, a benefício dos maus, para que se retifiquem. Nunca

observaste o pomicultor? Algumas árvores recebem dele irrigação e adubo;

outras, no entanto, sofrerão a poda, a fim de serem convenientemente amparadas.

O Senhor retirou-se e o aprendiz retomou luta para conquistar o

conhecimento.

Peregrinou através de muitos llvros, observou demoradamente os quadros

da vida e recebeu a palma da ciência.

Os anos correram apressados, quando o Cristo regressou e procurou-o,

novamente.

Dessa vez, encontrou-o no leito, enfermo e sem forças.

Replicando ao Divino Amigo, explicou-se:

— Ai de mim, Senhor! Fui bom e recebi injustiças, entesourei a ciência e

minhas dificuldades cresceram de vulto. Aprendi a amar e desejar em sã

consciência, a idealizar com o plano superior, mas vejo a ingratidão e a discórdia,

a dureza e a indiferença com mais clareza. Sei aquilo que muita gente

ignora e, por isto mesmo, a vida tornou-se-me um fardo insuportável...

O Mestre, porém, sorriu e considerou:

- A tua preparação para a felicidade ainda não se acha completa. Agora, é

preciso ser forte. Acreditas que a árvore respeitável conseguiria viver e

33

produzir, caso não soubesse tolerar a tempestade? A firmeza interior, diante

das experiências da vida, conferir-te-á o equilíbrio indispensável. Aprende a

dizer adeus a tudo o que te prejudica na caminhada em direção da luz divina e

distribuirás a bondade, sem preocupações de recompensa, guardando o

conhecimento sem surpresas amargas. Sê inquebrantável em tua fé e segue

adiante!

O aprendiz reergueu-se e nunca mais experimentou a desarmonia,

compreendendo, enfim, que a bondade, o conhecimento e a fortaleza são a

trilogia bendita da felicidade e da paz.

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17

A conta da vida

Quando Levindo completou vinte e um anos, a Mâezinha recebeu-lhe os

amigos, festejou a data e solenizou o acontecimento com grande alegria.

No íntimo, no entanto, a bondosa senhora estava triste, preocupada.

O filho, até à maioridade, não tolerava qualquer disciplina. Vivia

ociosamente, desperdiçando o tempo e negando-se ao trabalho. Aprendera as

primeiras letras, a preço de muita dedicação materna, e lutava contra todos os

planos de ação digna.

Recusava bons conselhos e inclinava-se, francamente, para o desfiladeiro

do vício.

Nessa noite, todavia, a abnegada Mãe orou, mais fervorosa, suplicando a

Jesus o encaminhasse à elevação moral. Confiou-o ao Céu, com lágrimas,

convencida de que o Mestre Divino lhe ampararia a vida Jovem.

As orações da devotada criatura foram ouvi-das, no Alto, porque Levindo,

logo depois de arrebatado pelas asas do sono, sonhou que era procurado por

um mensageiro espiritual, a exibir largo documento na mão.

Intrigado, o rapaz perguntou-lhe a que devia a surpresa de semelhante

visita.

O emissário fitou nele os grandes olhos e respondeu:

— Meu amigo, venho trazer-te a conta dos seres sacrificados, até agora,

em teu proveito.

Enquanto o moço arregalava os olhos de assombro, o mensageiro

prosseguia:

— Até hoje, para sustentar-te a existência, morreram, aproximadamente,

2.000 aves, 10 bovinos, 50 suínos, 20 carneiros e 3.000 peixes diversos. Nada

menos de 60.000 vidas do reino vegetal foram consumidas pela tua,

relacionando-se as do arroz, do milho, do feijão, do trigo, das várias raízes e

legumes. Em média calculada, bebeste 3.000 litros de leite, gastaste 7.000

ovos e comeste 10.000 frutas. Tens explorado farta-mente as famílias de seres

do ar e das águas, de galinheiros e estábulos, pocilgas e redis. O preço dos

teus dias nas hortas e pomares vale por uma devastação. Além disto, não

relacionamos aqui os sacrifícios maternos, os recursos e doações de teu pai,

os obséquios dos amigos e as atenções dos vários benfeitores que te rodeiam.

Em troca, que fizeste de útil? Não restituiste ainda à Natureza a mínima parcela

de teu débito imenso. Acreditas, porventura, que o centro do mundo repousa

em tuas necessidades individuais e que viverás sem conta nos domínios da

Criação? Produze algo de bom, marcando a tua passagem pela Terra. Lembrate

de que a própria erva se encontra em serviço divino. Não permitas que a

ociosidade te paralise o coração e desfigure o espírito!...

O moço, espantado, passou a ver o desfile dos animais que havia

devorado e, sob forte espanto, acordou...

Amanhecera.

O Sol de ouro como que cantava em toda parte um hino glorioso ao

trabalho pacífico.

Levindo escapou da cama, correu até à genitora e exclamou:

— Mãezinha, arranje-me serviço! arranje-me serviço!...

— Oh! meu filho — disse a senhora num transporte de júbilo —, que

alegria! como estou contente!... que aconteceu?

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E o rapaz, preocupado, informou:

— Nesta noite passada, eu vi a conta da vida.

Daí em diante, converteu-se Levindo num homem honrado e útil.

36

18

A amizade real

Um grande senhor que soubera amontoar sabedoria, além da riqueza,

auxiliava diversos amigos pobres, na manutenção do bom ânimo, na luta pela

vida.

Sentindo-se mais velho, chamou o filho à cooperação. O rapaz deveria

aprender com ele a distribuir gentilezas e bens.

Para começar, enviou-o à residência de um companheiro de muitos anos,

ao qual destinava trezentos cruzeiros mensais.

O jovem seguiu-lhe as instruções.

Viajou seis quilômetros e encontrou a casa indicada. Contrariando-lhe a

expectativa, porém, não encontrou um pardieiro em ruínas. O domicílio, apesar

de modesto, mostrava encanto e conforto. Flores perfumavam o ambiente e

alvo linho vestia os móveis com beleza e decência.

O beneficiário de seu pai cumprimentou-o, com alegria efusiva, e, depois

de inteligente palestra, mandou trazer o café num serviço agradável e distinto.

Apresentou-lhe familiares e amigos que se envolviam, felizes, num halo enorme

de saúde e contentamento.

Reparando a tranquilidade e a fartura, ali reinantes, o portador regressou

ao lar, sem entregar a dádiva.

— Para quê? — confabulava consigo mesmo — aquele homem não era um

pedinte. Não parecia guardar problemas que merecessem compaixão e

caridade. Certo, o genitor se enganara.

De volta, explicou ao velho pai, partícularizadamente, quanto vira,

restituindo-lhe a importância de que fora emissário.

O ancião, contudo, após ouvi-lo calmamente, retirou mais dinheiro da

bolsa, dobrou a quantia e considerou:

— Fizeste bem, tornando até aqui. Ignorava que o nosso amigo estivesse

sob mais amplos compromissos. Volta à residência dele e, ao invés de

trezentos, entrega-lhe seiscentos cruzeiros, mensalmente, em meu nome, de

ora em diante. A sua nova situação reclama recursos duplicados.

— Mas, meu pai — acentuou o moço —, não se trata de pessoa em posição

miserável.

Ao que suponho, o lar dele possui tanto conforto, quanto o nosso.

Folgo bastante com a noticia — exclamou o velho.

E, imprimindo terna censura à voz conselheiral, acrescentou:

— Meu filho, se não é lícito dar remédio aos sãos e esmolas aos que não

precisam delas, semelhante regra não se aplica aos companheiros que Deus

nos confiou. Quem socorre o amigo, apenas nos dias de extremo infortúnio,

pode exercer a piedade que humilha ao invés do amor que santifica. Quem

espera o dia do sofrimento para prestar o favor, muita vez não encontrará

senão silêncio e morte, perdendo a melhor oportunidade de ser útil. Não

devemos exigir que o irmão de jornada se converta em mendigo, a fim de

parecermos superiores a ele, em todas as circunstâncias. Tal atitude de nossa

parte representaria crueldade e dureza. Estendamos-lhe nossas mãos e

façamo-lo subir até nós, para que nosso concurso não seja orgulho vão. Toda

gente no mundo pode consolar a miséria e partilhar as aflições, mas raros

aprendem a acentuar a alegria dos entes amados, multiplicando-a para eles,

sem egoísmo e sem inveja no coração. O amigo verdadeiro, porém, sabe fazer

37

isto. Volta, pois, e atende ao meu conselho para que nossa afeição constitua

sementeira de amor para a eternidade. Nunca desejei improvisar necessitados,

em torno de nossa porta e, sim, criar companheiros para sempre.

Foi então que o rapaz, envolvido na sabedoria paterna, cumpriu quanto lhe

fora determinado, compreendendo a sublime lição de amizade real.

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19

O ensinamento vivo

Em observando qualquer edificação ou serviço, Maria Cármen não faltava à

crítica.

Ante um vestido das amigas, exclamava sem-cerimônia:

— O conjunto é tolerável, mas as particularidades deixam muito a desejar.

A gola foi extremamente malfeita e as mangas estão defeituosas.

Perante um móvel qualquer, rematava as observações irônicas com a

frase:

— Não poderiam fazer coisa melhor? E, à frente de qualquer obra de arte,

encontrava traços e ângulos para condenar.

A Mãezinha, preocupada, estudou recursos de dar-lhe proveitoso

ensinamento.

Foi assim que, certa manhã, convidou a filha a visitar, em sua companhia, a

construção de um edifício de vastas linhas. A jovem, que não podia adivinharlhe

o plano, seguiu-a, surpreendida.

Percorreram algumas ruas e pararam diante do arranha-céu a levantar-se.

A senhora pediu a colaboração do engenheiro-chefe e passou a mostrar à

filha os vários departamentos. Enquanto muitos servidores abriam

acomodações para os alicerces, no chão duro, manobrando picaretas, veículos

pesados transportavam terra daqui para ali, com rapidez e segurança.

Pedreiros começavam a erguer paredes, suarentos e ágeis, sob a atenciosa

vigilância dos técnicos que orientavam os trabalhos. Caminhões e carroças

traziam material de mais longe. Carregadores corriam na execução do dever.

O diretor das obras, convidado pela matrona a pronunciar-se sobre a

edificação, esclareceu, gentil:

— Seremos obrigados a inverter volumoso capital para resgatar as

despesas. Requisitaremos, ainda, a colaboração de centenas de trabalhadores

especializados. Carpinteiros, estucadores, vidraceiros, pintores, bombeiros e

eletricistas virão completar-nos o serviço. Qualquer construção reclama toda

uma falange de servos dedicados.

A menina, revelando-se impressionada, respondeu:

— Quanta gente a pensar, a cooperar e servir!...

— Sim — considerou o chefe, sorrindo expressivamente —, edificar é

sempre muito difícil.

Logo após, mãe e filha apresentaram as despedidas, encaminhando-Se,

agora, para velho bairro.

Vararam algumas travessas e praças menos agradáveis e chegaram à

frente de antiga casa em demolição. Viam-se-lhe as linhas nobres, no estilo

colonial, através das alas que ainda se achavam de pé. Um homem, apenas,

ali se encontrava, usando martelo de tamanho gigantesco, abatendo alvenaria

e madeirame. Ante a queda das paredes a ruirem com estrondo, de minuto a

minuto, a jovem observou:

— Como é terrível arruinar, deste modo, o esforço de tantos!

A Mãezinha serena interveio, então, e falou, conselheiramente:

— Chegamos, filha, ao fim do ensinamento vivo que buscamos. Toda a

realização útil na Terra exige a paciência e o suor, o trabalho e o sacrifício de

muita gente. Edificar é muito difícil. Mas destruir e eliminar é sempre muito fácil.

Bastará uma pessoa de martelo à mão para prejudicar a obra de milhares. A

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crítica destrutiva é um martelo que usamos criminosamente, ante o respeitável

esforço alheio. Compreendeu?

A jovem fez um sinal afirmativo com a cabeça e, daí em diante, procurou

ajudar a todos ao invés de macular, desencorajar e ferir.

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20

O elogio da abelha

Grande mosca verde-azul, mostrando envaidecida as asas douradas pelo

Sol, penetrou uma sala e encontrou uma abelha humilde a carregar pequena

provisão de recursos para elaborar o mel.

A mosca arrogante aproximou-se e falou, vaidosa:

— Onde surges, todos fogem. Não te sentes indesejável? Teu aguilhão é

terrível.

- Sim — disse a abelha com desapontamento —, creia que sofro muitíssimo

quando sou obrigada a interferir. Minha defesa é, quase sempre, também a

minha morte.

— Mas não podes viver com mais distinção e delicadeza? — tornou a

mosca — porque ferretoar, a torto e a direito?

— Não, minha amiga — esclareceu a inter-locutora —. não é bem assim.

Não sinto prazer em perturbar. Vivo tão somente para o trabalho que Deus me

confiou, que representa benefício geral. E, quando alguém me impede a

execução do dever, inquieto-me e sofro, perdendo, por vezes, a própria vida.

— Creio, porém, que se tivesses modos diferentes... se polisses as asas

para que brilhassem à claridade solar, se te vestisses em cores iguais às

minhas, talvez não precisasses alarmar a ninguém. Pessoa alguma te recearia

a intromissão.

— Ah! não posso despender muito tempo em tal assunto — alegou a

abelha criteriosa. — O serviço não me permite a apresentação exterior muito

primorosa, em todas as ocasiões. A produção de mel indispensável ao sustento

de nossa colméia, e necessária a muita gente, não me oferece ensejo a

excessivos cuidados comigo mesma.

— Repara! — disse-lhe a mosca, desdenhosa — tuas patas estão em

lastimável estado...

— Encontro-me em serviço — explicou-se a operária humildemente.

Não! não! — protestou a outra — isto émonturo e relaxamento.

E limpando caprichosamente as asas, a mosca recuou e aquietou-se, qual

se estivesse em observação.

Nesse instante, duas senhoras e uma criança penetraram o recinto e,

notando a presença da abelha que buscava sair ao encontro de companheiras

distantes, uma das matronas gritou, nervosa:

— Cuidado! cuidado com a abelha! Fere sem piedade!...

A pequenina trabalhadora alada dirigiu-se para o campo e a mosca soberba

passou a exibir-se, voando despreocupada.

— Que maravilha! — exclamou uma das senhoras.

— Parece uma jóia! — disse a outra.

A mosca preguiçosa planou... planou... e, encaminhando-se para a copa,

penetrou o guarda-comida, deitando varejeiras na massa dos pastéis e em

pratos diversos que se preparavam para o dia seguinte. Acompanhou a

criança, de maneira imperceptível, e pousou-lhe na cabeça, infeccionando

certa região que se achava ligeiramente ferida.

Decorridas algumas horas, sobravam preocupações para toda a família. A

encantadora mosca verde-azul deixara imundície e enfermidade por onde

passara.

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Quantas vezes sucede isto mesmo, em plena vida?

Há criaturas simples, operosas e leais, de trato menos agradável, à primeira

vista, que, à maneira da abelha, sofrem sarcasmos e desapontamentos por

bem cumprir a obrigação que lhes cabe, em favor de todos; e há muita gente

de apresentação brilhante, quanto a mosca, e que, depois de seduzir-nos a

atenção pela beleza da forma, nos deixa apenas as larvas da calúnia, da

intriga, da maldade, da revolta e do desespero no pensamento.

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21

O carneiro revoltado

Certo carneiro muito inteligente, mas indisciplinado, reparou os benefícios

que a lã espalhava em toda parte, e, desde então, julgou-se melhor que os

outros seres da Criação, passando a revoltar-se contra a tosquia.

— Se era tão precioso — pensava —, porque aceitar a humilhação

daquela tesoura enorme? Experimentava intenso frio, de tempos a tempos, e,

despreocupado das ricas rações que recebia no redil, detinha-se apenas no

exame dos prejuízos que supunha sofrer.

Muito amargurado, dirigiu-se ao Criador, exclamando:

— Meu Pai, não estou satisfeito com a minha pelagem. A tosquia é um

tormento... Modifica-me, Senhor!...

O Todo-Poderoso indagou, com bondade:

— Que desejas que eu faça?

Vaidosamente, o carneiro respondeu:

— Quero que a minha lã seja toda de ouro.

A rogativa foi satisfeita. Contudo, assim que o orgulhoso ovino se mostrou

cheio de pêlos preciosos, várias pessoas ambiciosas atacaram-no sem

piedade. Arrancaram-lhe, violentamente, todos os fios, deixando-o em chagas.

O infeliz, a lastimar-se, correu para o Altíssimo e implorou:

— Meu Pai, muda-me novamente! não posso exibir lã dourada..,

encontraria sempre salteadores sem compaixão.

O Sábio dos Sábios perguntou:

— Que queres que eu faça?

O animal, tocado pela mania de grandeza, suplicou:

— Quero que a minha lã seja lavrada em porcelana primorosa.

Assim foi feito. Entretanto, logo que tornou ao vale, apareceu no céu

enorme ventania, que lhe quebrou todos os fios, dilacerando-lhe a carne.

Regressou, aflito, ao Todo-Misericordioso e queixou-se:

— Pai, renova-me!... A porcelana não resiste ao vento... estou exausto...

Disse-lhe o Senhor:

— Que desejas que eu faça?

— A fim de não provocar os ladrões e nem ferir-me com porcelana

quebrada, quero que a minha lã seja feita de mel.

O Criador satisfez o pedido. Todavia, logo que o pobre se achou no redil,

bandos de moscas asquerosas cobriram-no em cheio e, por mais corresse

campo afora, não evitou que elas lhe sugassem os fios adocicados.

O mísero voltou ao Altíssimo e implorou:

— Pai, modifica-me... as moscas deixaram-me em sangue!

O Senhor indagou, de novo, com inexaurível paciência:

— Que queres que eu faça?

Dessa vez, o carneiro pensou mais tempo e considerou:

— Suponho que seria mais feliz se tivesse minha lã semelhante às folhas

de alface.

O Todo-Bondoso atendeu-lhe mais uma vez a vontade e o carneiro voltou à

planície, na caprichosa alegria de parecer diferente. No entanto, quando alguns

cavalos lhe puseram os olhos, não conseguiu melhor sorte, Os eqüinos prenderam-

no com os dentes e, depois de lhe comerem a lã, abocanharam-lhe o

43

corpo.

O carneiro correu na direção do Juiz Supremo, gotejando sangue das

chagas profundas, e, em lágrimas, gemeu, humilde:

— Meu Pai, não suporto mais!...

Como soluçasse longamente, o Todo-Compassivo, vendo que ele se

arrependera com sinceridade, observou:

— Reanima-te, meu filho! que pedes agora?

O infeliz replicou, em pranto:

— Pai, quero voltar a ser um carneiro comum, como sempre fui. Não

pretendo a superioridade sobre meus irmãos. Hoje sei que os meus

tosquiadores de outro tempo são meus verdadeiros amigos. Nunca me

deixaram em feridas e sempre me deram de comer e beber, carinhosamente...

Quero ser simples e útil, qual me fizeste, Senhor!...

O Pai sorriu, bondoso, abençoou-o com ternura e falou:

— Volta e segue teu caminho em paz. Compreendeste, enfim, que meus

desígnios são justos. Cada criatura está colocada, por minha Lei, no lugar que

lhe compete e, se pretendes receber, aprende a dar.

Então o carneiro, envergonhado, mas satisfeito, voltou para o vale,

misturou-se com os outros e daí por diante foi muito feliz.

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22

O pior inimigo

Um homem, admirável pelas qualidades de trabalho e pelas formosas

virtudes do caráter, foi visto pelos inimigos da Humanidade que conhecemos

por Ignorância, Calúnia, Maldade, Discórdia, Vaidade, Preguiça e Desânimo, os

quais tramaram, entre si, agir contra ele, conduzindo-o à derrota.

O honrado trabalhador vivia feliz, entre familiares e companheiros,

cultivando o campo e rendendo graças ao Senhor Supremo pelas alegrias que

desfrutava no contentamento de ser útil.

A Ignorância começou a cogitar da perseguição, apresentando-o ao povo

como mau observador das obrigações religiosas. Insulava-se no trato da terra,

cheio de ambições desmedidas para enriquecer à custa do alheio suor. Não

tinha fé, nem respeitava os bons costumes.

O lavrador ativo recebeu as notícias do adversário que operava, de longe,

sorriu calmo e falou com sinceridade:

— A Ignorância está desculpada.

Surgiu, então, a Calúnia e denunciou-o às autoridades por espião de

interesses estranhos. Aquele homem vivia, quase sôzinho, para melhor

comunicar-se com vasta quadrilha de ladrões. O serviço policial tratou de

minuciosas averiguações e, ao término do inquérito vexatório, a vítima afirmou

sem ódio:

— A Calúnia estava enganada.

E trabalhou com dobrado valor moral.

Logo após, veio a Maldade, que o atacou de mais perto. Principiou a

ofensiva, incendiando-lhe o campo. Destruiu-lhe milharais enormes, prejudicoulhe

a vinha, poluiu-lhe as fontes. Todavia, o operário incansável, reconstruindo

para o futuro, respondeu, sereno:

— Contra as sombras do mal, tenho a luz do bem.

Reconhecendo os perseguidores que haviam encontrado um espírito

robusto na fé, instruíram a Discórdia que passou a assediá-lo dentro da própria

casa. Provocações cercaram-no de todos os lados e, a breve tempo, irmãos e

amigos da véspera relegaram-no ao abandono.

O servo diligente, dessa vez, sofreu bastante, mas ergueu os olhos para o

Céu e falou:

— Meu Deus e meu Senhor, estou só, no entanto, continuarei agindo e

servindo em Teu Nome. A Discórdia será por mim esquecida.

Apareceu, então, a Vaidade que o procurou nos aposentos particulares,

afirmando-lhe:

— És um grande herói... Venceste aflições e batalhas! Serás apontado à

multidão na auréola dos justos e dos santos!...

O trabalhador sincero repeliu-a, imperturbável:

— Sou apenas um átomo que respira. Toda glória pertence a Deus!

Ausentando-se a Vaidade com desapontamento, entrou a Preguiça e,

acariciando-lhe a fronte com mãos traiçoeiras, afiançou:

— Teus sacrifícios são excessivos... Vamos ao repouso! Já perdeste as

melhores forças!...

Vigilante, contudo, o interpelado replicou sem hesitar:

— Meu dever é o de servir em benefício de todos, até ao fim da luta.

Afastando-se a Preguiça vencida, o Desânimo compareceu. Não atacou de

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longe, nem de perto. Não se sentou na poltrona para conversar, nem lhe

cochichou aos ouvidos. Entrou no coração do operoso lavrador e, depois de

instalar-se lá dentro, começou a perguntar-lhe:

— Esforçar-se para quê? servir porquê? Não vê que o mundo está repleto

de colaboradores mais competentes? que razão justifica tamanha luta? quem o

mandou nascer neste corpo? não foi a determinação do próprio Deus? não

será melhor deixar tudo por conta de Deus mesmo? que espera? sabe, acaso,

o objetivo da vida? tudo é inútil... não se lembra de que a morte destruirá tudo?

O homem forte e valoroso, que triunfara de muitos combates, começou a

ouvir as interrogações do Desânimo, deitou-se e passou cem anos sem

levantar-se...

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23

A decisão sábia

Em tempos recuados, existiu um rei poderoso e bom, que se fizera notado

pela sabedoria.

Convidado a verificar, solenemente, a invenção de um súdito, cuja cabeça

era um prodígio na matemática, compareceu em trajes de honra à festa em que

o novo aparelho seria apresentado.

O calculista, orgulhoso, mostrou a obra que havia criado pacientemente.

Tratava-se de largo tabuleiro forrado de veludo negro, cercado de pequenas

cavidades, sustentando regular coleção de bolas de madeira colorida.

Acionadas por longos tacos de marfim, essas bolas rolavam na direção das

cavidades naturais, dando ensejo a um jogo de grande interesse pela

expectação que provocava.

Revestiu-se a festa de brilho indisfarçável.

Contendores variados disputaram partidas de vulto.

Dia inteiro, grande massa popular rodeou o invento, comendo e

bebericando.

O próprio monarca seguiu a alegria geral, dando mostras de evidente

satisfação. Serviu-se, ao almoço, junto às grandes bandejas de carne, pão e

frutos, em companhia dos amigos, e aplaudia, contente, quando esse ou

aquele participante do novo e inocente jogo conseguia posição invejável

perante os companheiros.

À tardinha, encerrada a curiosidade geral, o inventor aguardou o parecer do

soberano, com inexcedível orgulho. Aglomerou-se o povo, igualmente, a fim de

ouvi-lo.

Não se cansava o público de admirar o jogo efetuado, através de cálculos

divertidos.

Despedindo-se, o rei levantou-se, fêz-se visto de todos e falou ao vassalo

inteligente:

— Genial matemático: a autoridade de minha coroa determina que sua

obra de raciocínio seja premiada com cem peças de ouro que os cofres reais

levarão ao seu crédito, ainda hoje, em homenagem à sua paciência e

habilidade. Essa remuneração, todavia, não lhe visa sômente o valor pessoal,

mas também certos benefícios que a sua máquina vem trazer a muitos homens

e mulheres de meu reino, menos afeitos às virtudes construtivas que todos

devemos respeitar

neste mundo. Enquanto jogarem suas bolas de madeira, possivelmente muitos

indivíduos, cujos instintos criminosos ainda se acham adormecidos, se

desviarão do delito provável e muitos caçadores ociosos deixarão em paz os

animais amigos de nossas florestas.

O monarca fêz comprida pausa e a multidão prorrompeu em aplausos

delirantes.

Via-se o inventor cercado de abraços, quando o soberano recomeçou:

- Devo acrescentar, porém, que a sabedoria de meu cetro ordena que o

senhor seja punido com cinquenta dias de prisão forçada, a fim de que aprenda

a utilizar sua capacidade intelectual em benefício de todos. A inteligência

humana éuma luz cuja claridade deve ser consagrada à cooperação com o

Supremo Senhor, na Terra. Sua invenção não melhora o campo, nem cria

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trabalho sério; não ajuda as sementes, nem ampara os animais; não protege

fontes, nem conserva estradas; não colabora com a educação, nem serve aos

ideais do bem. Além disto, arrasta centenas de pessoas, qual se verificou neste

dia, conosco, a perderem valioso tempo na expectativa inútil. Volte aos seus

abençoados afazeres mentais, mesmo no cárcere, e dedique sua inteligência a

criação de serviço e utilidades em proveito de todos, porque, se o meu poder o

recompensa, a minha experiência o corrige.

Quando o rei concluiu e desceu da tribuna, o inventor se fizera muito

pálido, o povo não bateu palmas; entretanto, toda gente aprendeu, na decisão

sábia do grande soberano, que ninguém deve menosprezar os tesouros da

inteligência e do tempo sobre a Terra.

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24

O aprendiz desapontado

Um menino que desejava ardentemente residir no Céu, numa bonita

manhã, quando se encontrava no campo, em companhia de um burro, recebeu

a visita de um anjo.

Reconheceu, depressa, o emissário de Cima, pelo sorriso bondoso e pela

veste resplandecente.

Alucinado de júbilo, o rapazelho gritou:

— Mensageiro de Jesus, quero o paraíso! que fazer para chegar até lá?!

O anjo respondeu com gentileza:

— O primeiro caminho para o Céu é a obediência e, o segundo, é o

trabalho.

O pequeno, que não parecia muito diligente, ficou pensativo.

O enviado de Deus então disse:

— Venho a este campo, a fim de auxiliar a Natureza que tanto nos dá.

Fixou o olhar mais docemente na criança e rogou:

— Queres ajudar-me a limpar o chão, carregando estas pedras para o

fosso vizinho?

O menino respondeu:

— Não posso.

Todavia, quando o emissário celeste se dirigiu ao burro, o animal

prontificou-se a transportar os calhaus, pacientemente, deixando a terra livre e

agradável.

Em seguida, o anjo passou a dar ordens de serviço em voz alta, mas o

menino recusava-se a contribuir, enquanto o burro ia obedecendo.

No instante de mover o arado, o rapazinho desfez-se em palavras feias,

fugindo à colaboração.

O muar disciplinado, contudo, ajudou quanto pôde, em silêncio.

No momento de preparar a sementeira, verificou-se o mesmo quadro: o

pequeno repousava e o burro trabalhava.

Em todas as medidas iniciais da lavoura, o pesado animal agia cuidadoso,

colaborando eficientemente com o lavrador celeste; entretanto, o jovem, cheio

de saúde e leveza, permaneceu amuado, a um canto, choramingando sem

saber porquê e acusando não se sabe a quem.

No fim do dia, o campo estava lindo.

Canteiros bem desenhados surgiam ao centro. ladeados por fios de água

benfeitora.

As árvores, em derredor, pareciam orgulhosas de protegê-los. O vento

deslizava tão manso que mais se assemelhava a um sopro divino cantando nas

campânulas do matagal.

A Lua apareceu espalhando intensa claridade.

O anjo abraçou o obediente animal, agradecendo-lhe a contribuição. Vendo

o menino que o mensageiro se punha de volta, gritou, ansioso:

— Anjo querido, quero seguir contigo, quero ir para o Céu!...

O emissário divino respondeu, porém:

— O paraíso não foi feito para gente preguiçosa. Se desejas encontrá-lo,

aprende primeiramente a obedecer com o burro que soube receber a bênção

da disciplina e o valor da educação.

E assim esclarecendo subiu para as estrelas, deixando o rapazinho

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desapontado. mas disposto a mudar de vida.

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25

A falsa mendiga

Zezélia pedia esmolas, havia muitos anos.

Não era tão doente que não pudesse trabalhar, produzindo algo de útil,

mas não se animava a enfrentar qualquer disciplina de serviço.

— Esmola pelo amor de Deus! — clamava o dia inteiro, dirigindo-se aos

transeuntes, sentada à porta de imundo telheiro.

De quando em quando, pessoas amigas, depois de lhe darem um níquel,

aconselhavam:

— Zezélia, você não poderia plantar algum milho?

- Não posso... — respondia logo.

— Zezélia, quem sabe poderia você beneficiar alguns quilos de café?

— Quem sou eu, meu filho? não tenho forças...

— Não desejaria lavar roupa e ganhar algum dinheiro? — indagavam

damas bondosas.

— Nem pensar nisto. Não agüento...

— Zezélia, vamos vender flores! — convidavam algumas jovens que se

compadeciam dela.

— Não posso andar, minhas filhas!... —exclamava, suspirando.

— E o bordado, Zezélia? — interrogava a vizinha, prestativa — você tem as

mãos livres. A agulha é uma boa companheira. Quem sabe poderá ajudar-nos?

Receberá compensadora remuneração.

— Não tenho os dedos seguros — informava, teimosa — e falta-me

suficiente energia... Não posso, minha senhora...

E, assim, Zezélia vivia prostrada, sem ânimo, sem alegria.

Afirmava sentir dores por toda parte do corpo. Dava notícias da tosse, da

tonteira e do resfriado com longas palavras que raras pessoas dispunham de

tempo para ouvir. Além das lamentações contínuas, clamava que não bebia

café por falta de açúcar, que não almoçara por não dispor de alimentação.

Tanto pediu, chorou e se queixou Zezélia que, em certa manhã, foi

encontrada morta e a caridade pública enterrou-lhe o corpo com muita piedade.

Todos os vizinhos e conhecidos julgaram que a alma de Zezélia fora

diretamente para o Céu; entretanto, não foi assim.

Ela acordou em meio dum campo muito escuro e muito frio.

Achava-se sem ninguém e gritou, aflita, pelo socorro de Deus.

Depois de muito tempo, um anjo apareceu e disse-lhe, bondoso:

— Zezélia, que deseja você?

— Ah! — observou, muito vaidosa — já sou conhecida na Casa Celestial?

— Há muito tempo — informou o emissário, compadecido.

A velha começou a chorar e rogou em pranto:

— Tenho sofrido muito!... quero o amparo do Alto!...

— Mas, ouça! — esclareceu o mensageiro —o auxílio divino é para quem

trabalha. Quem não planta, nada tem a colher. Você não cavou a terra, não

cuidou de plantas, não ajudou os animais, não fiou o algodão, não teceu fios,

não costurou o pano, não amparou crianças, não fêz pão, não lavou roupa, não

varreu a casa, não cuidou de flores, não tratou nem mesmo de sua saúde e de

seu corpo... Como pretende receber as bênçãos de Cima?

A infeliz observou, então:

— Nada podia fazer... eu era mendiga...

51

O anjo, contudo, replicou:

— Não, Zezélia! — você não era mendiga. Você foi simplesmente

preguiçosa. Quando aprender a trabalhar, chame por nós e receberá o socorro

celeste.

Cerrou-se-lhe aos olhos o horizonte de luz e, às escuras, Zezélia voltou

para a Terra, a fim de renovar-se.

52

26

O grito de cólera

Lembra-se do instante em que gritou fortemente, antes do almoço?

Por insignificante questão de vestuário, você pronunciou palavras feias em

voz alta, desrespeitando a paz doméstica.

Ah! meu filho, quantos males foram atraidos por seu gesto de cólera!...

A Mamãe, muito aflita, correu para o interior, arrastando atenções de toda

a casa. Voltou-lhe a dor-de-cabeça e o coração tornou a descompassar-se.

- As duas irmãs, que cuidavam da refeição, dirigiram-se precipitadamente

para o quarto, a fim de socorrê-la, e duas terças partes do almoço ficaram

inutilizadas.

Em razão das circunstâncias provocadas por sua irreflexão, o papai, muito

contrariado, foi compelido a esperar mais tempo em casa, chegando ao serviço

com grande atraso.

Seu chefe não estava disposto a tolerar-lhe a falta e recebeu-o com

repreensão áspera.

Quem o visse, erecto e digno, a sofrer essa pena, em virtude da sua

leviandade, sentiria compaixão, porque você não passa de um jovem

necessitado de disciplina, e ele é um homem de bem, idoso e correto, que já

venceu muitas tempestades para amparar a família e defendê-la. Humilhado,

suportou as consequências de seu gesto impulsivo, por vários dias, observado

na oficina qual se fora um menino vadio e imprudente.

Os resultados de sua gritaria foram, porém, mais vastos.

A Mãezinha piorou e o médico foi chamado. Medicamentos de alto preço,

trazidos à pressa, impuseram vertiginosa subida às despesas, e o papai não

conseguiu pagar todas as contas de armazém, farmácia e aluguel de casa.

Durante seis meses, toda a sua família lutou e solidarizou-se para recompor

a harmonia quebrada, desastradamente, por sua ira infantil.

Cento e oitenta dias de preocupações e trabalhos árduos, sacrifícios e

lágrimas! Tudo porque você, incapaz de compreender a cooperação alheia, se

pôs a berrar, inconscientemente, recusando a roupa que lhe não agradava.

Pense na lição, meu filho, e não repita a

Todos estamos unidos, reciprocamente, através de laços que procedem

dos desígnios divinos. Ninguém se reúne ao acaso. Forças superiores

impelem-nos uns para os outros, de modo a aprendermos a ciência da

felicidade, no amor e no respeito mútuos.

O golpe do machado derruba a árvore de vez.

A ventania destrói um ninho de momento para outro.

A ação impensada de um homem, todavia, émuito pior.

O grito de cólera é um raio mortífero, que penetra o círculo de pessoas em

que foi pronunciado e aí se demora, indefinidamente, provocando moléstias,

dificuldades e desgostos.

Porque não aprende a falar e a calar, a benefício de todos?

Ajude em vez de reclamar.

A cólera é força infernal que nos distancia da paz divina.

A própria guerra, que extermina milhões de criaturas, não é senão a ira

venenosa de alguns homens que se alastra, por muito tempo, ameaçando o

mundo inteiro.

53

27

Carta paterna

Meu filho, não tinhas razão em favor da cólera.

Vi, perfeitamente, quando o velhinho se aproximou para servir-te.

Trazia um coração amoroso e atento que não soubeste compreender

Deste uma ordem que o pobrezinho não ouviu tão bem, quanto desejavas.

Repetiste-a e, porque novamente te perguntasse qualquer coisa, proferiste

palavras feias, que lhe feriram as fibras mais íntimas.

Como foste injusto!...

Quando nasceste, o antigo servidor já vencera muitos invernos e servira a

muita gente.

Enfraqueceram-se-lhe os ouvidos, ante as imperiosas determinações

alheias.

Nunca refletiste na neblina que lhe enevoa o olhar? Adquiriu-a trabalhando

à noite, enquanto dormias, despreocupado.

Sabes porque traz ele as pernas trêmulas? Devorou muitas léguas a pé,

solucionando problemas dos outros.

Irritas-te, quando se demora a movimentar-se a teu mando. Contudo,

exiges o automóvel para a viagem de dois quilômetros.

Em muitas ocasiões, queixas-te contra ele. É relaxado aos teus olhos, tem

as mãos ílescuidadas e a roupa não muito limpa. Entretanto, nunca imaginaste

que o apagado servidor jamais encontrou oportunidades iguais às que

recebeste. Além disto, não lhe ofereces o ensinamento amigo e nem tempo

para cogitar das próprias necessidades espirituais.

Reclamas longos dias para examinar pequenina questão, referente ao teu

bem-estar; todavia, não lhe consagras nem mesmo uma hora por semana,

ajudando-o a refletir...

Respondes, enfadado, quando o velho companheiro te pede alguns

níqueis, mas não vacilas em despender pequenas fortunas com amigos

ociosos, em noitadas alegres, nas quais te mergulhas em fantasioso

contentamento.

Interrogas, ingrato: que fizeste do dinheiro que te dei?

Esqueces que o servo de fronte enrugada não dispôs de tempo e recurso

para calcular, com exatidão, os processos de ganhar além do necessário e não

conseguiu ensejo de ilustrar o raciocínio com o refinamento que caracteriza o

teu.

Ah! meu filho, quando a impaciência te visita o espírito, recorda que o

monstro da ira indesejável te bate à porta do coração. E quando a ele te

entregas, Imprevidente tuas conquistas mais elevadas tremem nos alicerces.

Chego a desconhecer-te porque a fúria dos elementos interiores te alteram a

Individualidade aos meus olhos e eu não sei se passas a condição de criança

ou de demônio!...

Se não podes conter, ainda, os movimentos impulsivos de sentimentos

Perturbadores, chegado o instante do testemunho cala-te e espera.

A cólera nada edifica e nada restaura... Apenas semeía desconfiança e

temor, ao redor de teus passos.

Não ameaces com a voz, nem te insurjas Contra ninguém.

É provável que guardes alguma reclamação contra mim, teu pai, Porque

eu também sou ainda humano. No entanto, filho, acima de nós ambos

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permanece o Pai Supremo, e que seria de ti e de mim, se Deus, um dia, se

encolerizasse contra nós?

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28

A pregação fundamental

Um aprendiz de Nosso Senhor Jesus-Cristo entusiasmou-se com os

ensinamentos do Evangelho e decidiu propagá-los, enquanto vivesse. Leu,

atencioso, as lições do Mestre e começou a comentá-las por toda parte,

gastando dias e noites nesse mister.

Chegou, porém, o momento em que precisou pagar as próprias despesas

e foi compelido a trabalhar.

Empregou-se sob as ordens de um orientador que lhe não agradou. Esse

diretor de serviço achava-se muito distante da fé e, por isto, contrariava-lhe as

tendências religiosas. Controlava-lhe as horas com rigor e observava-o com

apontamentos acrimoniosos e rudes.

O pregador do Crucificado não mais se movimentava com a liberdade de

outro tempo. Era obrigado a consagrar largos dias a trabalhos difíceis que lhe

consumiam todas as forças. Prosseguia, ensinando a boa doutrina, quanto lhe

era possível; porém, não mais podia agir e falar, como queria ou quando

pretendia. Tinha os minutos contados, as oportunidades divididas, as semanas

tabeladas e, porque se julgasse vítima das ordenações de sua chefia, procurou

o diretor do serviço e despediu-se.

O proprietário que o empregara indagou do motivo que o levava a

semelhante resolução.

Um tanto irônico, o rapaz explicou-se:

— Quero ser livre para melhor servir a Jesus. Não posso, pois, aceitar o

cativeiro de sua casa.

Nesse dia de folga absoluta, sentiu-se tão independente e tão satisfeito que

discorreu, animadamente, sobre a doutrina cristã, até depois de meia-noite, em

várias casas religiosas.

Repousando, feliz, alta madrugada sonhou que o Mestre vinha encontrá-lo.

Reparou-lhe a beleza celeste e ajoelhou-se para beijar-lhe a túnica

resplandecente.

Jesus, porém, estampava na fisionomia dolorosa e indisfarçável tristeza.

O discípulo inquietou-se e interrogou:

- Senhor, porque te sentes amargurado?

O Cristo, respondeu, melancôlicamente:

— Porque desprezaste, meu filho, a pregação que te confiei?

— Como assim, Senhor? — replicou o jovem — ainda hoje abandonei um

homem tirânico para melhor ensinar a tua palavra. Tenho discursado em vários

templos e comentado a Boa-Nova por onde passo.

— Sim — exclamou o Mestre —, esta é a pregação que me ofereces e que

desejo continues fervorosamente; todavia, confiei ao teu espírito a pregação

fundamental da verdade a um homem que administra os meus interesses na

Terra e não soubeste executá-la. Classificaste-o de ignorante e cruel;

entretanto, olvidas que ele ignora o que sabes. E pretendes, acaso,

desconhecer que o orientador humano que te dei somente poderia abordar-me

os ensinos, nesta hora, através de teu exemplo? Tua humildade construtiva, no

espírito de serviço, modificar-lhe-ia o coração... Se lhe desses cinco anos

consecutivos de demonstrações evangélicas, estaria preparado a caminhar,

por si mesmo, na direção do Reino Divino!... E ele, que determina sobre o

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tempo de duzentos homens, se faria melhor, mais humano e mais nobre, sem

prejuízo da energia e da eficiência... Poderás ensinar o caminho celestial a cem

mil ouvidos, mas a pregação do exemplo, que converta um só coração ao

Infinito Bem, estabelece com mais presteza a redenção do mundo!...

O aprendiz desejou perguntar alguma coisa; entretanto, o Cristo afastou-se

num turbilhão de luminosa neblina.

Acordou, sobressaltado, e não mais dormiu naquela noite.

De manhã, pôs-se a caminho do estabelecimento em que trabalhara,

procurou o diretor de quem se despedira e pediu humildemente:

— Senhor, rogo-lhe desculpas pelo meu gesto impensado e, caso seja

possível, readmita-me nesta casa! aceitarei qualquer gênero de tarefa.

O chefe, admirado, indagou:

— Quem te induziu a esta modificação?

— Foi Jesus — respondeu o rapaz —; não podemos servi-lo por intermédio

da indisciplina ou do orgulho pessoal.

O diretor concordou sem vacilação, exclamando:

— Entre! Estamos ao seu dispor.

Anotou a boa vontade e o sincero desejo de servir de que o empregado

dava agora vivo testemunho e passou a refletir na grandeza da doutrina que

assim orientava os passos de um homem no aperfeiçoamento moral. E o

aprendiz do Evangelho que retomou o trabalho comum, intensamente feliz,

compreendeu, afinal, que poderia prosseguir na propaganda verbal que desejava

e na pregação básica do exemplo que Jesus esperava dele.

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29

O barro desobediente

Houve um oleiro que chegou ao pátio de serviço e reparou com alegria em

pequeno bloco de barro. Contemplou-o, enlevado, em face da cor viva com que

se apresentava e falou:

— Vamos! Farei de ti delicado pote de laboratório. O analista alegrar-se-á

com teu concurso valioso.

Imensamente surpreendido, porém, notou que o barro retrucava:

— Oh! não, não quero! Eu, num laboratório, tolerando precipitações

químicas? por favor, não me toques para semelhante fim!

O oleiro, espantado, considerou:

— Desejo dar-te forma por amor, não por ódio. Sofrerás o calor de forno

para que te faças belo e útil... Entretanto, porque te recusas ao que proponho,

transformar-te-ei numa caprichosa ânfora destinada a depósito de perfumes.

— Oh! nunca! nunca!... — exclamou o barro — isto não! Estaria exposto ao

prazer dos inconscientes. Não estou inclinado a suportar essências, através de

peregrinações pelos móveis de luxo.

O dono do serviço meditou muito na desobediência da lama orgulhosa,

mas, entendendo que tudo devia fazer por não trair a confiança do Céu,

ponderou:

— Bem, converter-te-ei, então, num pratO honrado e robusto.

Comparecerás à mesa de meu lar. Ficarás conosco e serás companheiro de

meus filhinhos.

— Jamais! — bradou o barro, na indisciplina — isto seria pesada

humilhação... Transportar arroz cozido e agüentar caldos gordurosos na face?

assistir, inerme, às cenas de glutonaria em tua casa? não, não me submetas!...

O trabalhador dedicado perdoou-lhe a ofensa e acrescentou:

— Modificaremos o programa ainda uma vez. Serás um vaso amigo, em

que a límpida água repouse. Ajudarás aos sedentos que se aproximarem de ti.

Muita gente abençoar-te-á a cooperação. Despertarás o contentamento e a

gratidão nas criaturas!...

— Não, não! — protestou a argila — não quero! Seria condenar-me a

tempo indefinido nas

cantoneiras poeirentas ou nas salas escuras de pessoas desclassificadas. Por

favor, poupa-me! poupa-me!...

O oleiro cuidadoso considerou, preocupado:

— Que será de ti quando te conduzirem ao forno? Não passarás de

matéria endurecida e informe, sem qualquer utilidade ou beleza. Sem sacrifício

e sem disciplina, ninguém se eleva aos planos da vida superior.

O barro, todavia, recusou a advertência, bradando:

— Não aceito sacrifício, nem disciplina...

Antes que pudesse prosseguir, passou o enfornador arrebanhando a argila

pronta, e o barro desobediente foi também conduzido ao forno em brasa.

Decorrido algum tempo, a lama vaidosa foi retirada e — ó surpresa! — não

era pote de laboratório, nem ânfora de perfume, nem prato de refeição, nem

vaso para água e, sim, feio pedaço de terra requeimada e morta, sem qualquer

significação, sendo imediatamente atirada ao pântano.

Assim acontece a muitas criaturas no mundo. Revoltam-se contra a

vontade soberana do Senhor que as convida ao trabalho de aperfeiçoamento,

58

mas, depois de levadas pela experiência ao forno da morte, se transformam em

verdadeiros fantasmas de desilusão e sofrimento, necessitando de longo tempo

para retornarem às bênçãos da vida mais nobre.

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30

Dá de ti mesmo

Declaraste não possuir dinheiro para auxiliar.

Acreditas que um pouco de papel ou um tanto de níquel te substituem o

coração?

Esqueces-te, meu filho, de que podes sorrir para o doente e estender a

mão ao necessitado?

A flor não traz consigo uma bolsa de ouro e entretanto espalha perfume no

firmamento.

O céu não exibe chuvas de moedas, mas enche o mundo de luz.

Quanto pagas pelo ar fresco que, em bafejos amigos, te visita o quarto

pela manhã?

O oxigênio cobra-te imposto?

Quanto te custa a ternura materna?

As aves cantam gratuitamente.

A fonte que te oferece o banho reconfortador não exige mensalidade.

A árvore abre-te os braços acolhedores, repletos de flor e fruto, sem pedir

vintém.

A bênção divina, cada noite, conduz o teu pensamento a bendito repouso

no sono e não fazes retribuição de espécie alguma. Habitualmente sonhas,

colhendo rosas em formoso jardim, junto de companheiros felizes; no entanto,

jamais te lembraste de agradecer aos gênios espirituais que te proporcionam

venturoso descanso.

A estrela brilha sem pagamento.

O Sol não espera salário.

Porque não aprenderes com a Natureza em torno?

Porque não te fazeres mais alegre, mais comunicativo, mais doce?

Tens a fisionomia seca e ensombrada por faltar-te dinheiro excessivo e

reclamas recursos materiais para ser bom, quando a bondade não nasce dos

cofres fortes.

Sê irmão de teu irmão, companheiro de teu companheiro, amigo de teu

amigo.

Na ciência de amar, resplandece a sabedoria de dar.

Mostra um semblante sereno e otimista, aonde fores.

Estende os braços, alonga o coração, comunica-te com o próximo, através

dos fios brilhantes da amizade fiel.

Que importa se alguém te não entende o gesto de amor?

Que seria de nós, meu filho, se a mão do Senhor se recolhesse a distância,

por temer-nos a rudeza e a maldade?

Dá de ti mesmo, em toda parte.

Muito acima do dinheiro, pairam as tuas mãos amigas e fraternais.

60

31

A lenda do dinheiro

Conta-se que, no princípio do mundo, o Senhor entrou em dificuldades no

desenvolvimento da obra terrestre, porque os homens se entregaram a

excessivo repouso.

Ninguém se animava a trabalhar. Terra solta amontoava-se aqui e ali. Minerais

variados estendiam-se ao léu. Águas estagnadas apareciam em toda

parte.

O Divino Organizador pretendia erguer lares e templos, educandários e

abrigos diversos, mas... com que braços?

Os homens e as mulheres da Terra, convidados ao suor da edificação por

amor, respondiam: — “para quê ?“ E comiam frutos silvestres, perseguiam

animais para devorá-los e dormiam sob as grandes árvores.

Após refletir muito, o Celeste Governador criou o dinheiro, adivinhando que

as criaturas, presas da ignorância, se não sabiam agir por amor, operariam por

ambição.

E assim aconteceu.

Tão logo surgiu o dinheiro, a comunidade fragmentou-se em pequenas e

grandes facções, incentivando-se a produção de benefícios gerais e de valores

imaginativos.

Apareceram candidatos a toda espécie de serviços.

O primeiro deles pediu ao Senhor permissão para fundar uma grande

olaria. Outro requeveu meios de pesquisar os minérios pesados, de maneira a

transformá-los em utensílios. Certo trabalhador suplicou recursos para

aproveitamento de grandes áreas na exploração de cereais. Outro, ainda,

implorou empréstimo para produzir fios, de modo a colaborar no

aperfeiçoamento do vestuário. Servidores de várias procedências vieram e

solicitaram auxílio financeiro destinado à criação de remédios.

O Senhor a todos atendeu com alegria.

Em breve, olarias e lavouras, teares rústicos e oficinas rudimentares se

improvisaram aqui e acolá, desenvolvendo progresso amplo na inteligência e

nas coisas.

Os homens, ansiosamente procurando o dinheiro, a fim de se tornarem

mais destacados e poderosos entre si, tràbalhavam sem descanso, produzindo

tijolos, instrumentos agrícolas, máquinas, fios, óleos, alimento abundante,

agasalho, calçados e inúmeras invenções de conforto, e, assim, a terra menos

proveitosa foi removida, as pedras aproveitadas e os rios canalizados

convenientemente para a irrigação; os frutos foram guardados em conserva

preciosa; estradas foram traçadas de norte a sul, de leste a oeste e as águas

receberam as primeiras embarcações.

Toda gente perseguia o dinheiro e guerreava pela posse dele.

Vendo, então, o Senhor que os homens produziam vantagens e

prosperidade, no anseio de posse, considerou, satisfeito:

- Meus filhos da Terra não puderam servir por amor, em vista da deficiência

que, por enquanto, lhes assinala a posição; todavia, o dinheiro estabelera

benéficas competições entre eles, em benefício da obra geral. Reterão provisoriamente

os recursos que me pertencem e, com a sensação da propriedade,

improvisarão todos os produtos e materiais de que o aprimoramento do mundo

necessita. Esta é a minha Lei de Empréstimo que permanecerá assentada no

61

Céu. Cederei possibilidades a quantos mo pedirem, de acordo com as

exigências do aproveitamento comum; todavia, cada beneficiário apresentarme-

ácontas do que houver despendido, porque a Morte conduzi-los-á, um a

um, à minha presença. Este decreto divino funcionará para cada pessoa, em

particular, até que meus filhos, individualmente, aprendam a servir por amor à

felicidade geral, livres do grilhão que a posse institui.

Desde então, a maioria das criaturas passou a trabalhar por dedicação ao

dinheiro, que é de propriedade exclusiva do Senhor, da aplicação do qual cada

homem e cada mulher prestarão contas a Ele mais tarde.

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32

A sentença cristã

Um juiz cristão, rigoroso nas aplicações da lei humana, mas fiel no

devotamento ao Evangelho, encontrando-se em meio duma sociedade

corrompida e perversa, orou, implorando a presença de Jesus.

Tantas sentenças condenatórias devia proferir diàriamente, que se lhe

endurecera o coração.

Atormentado, porém, entre a confiança que consagrava ao Divino Mestre e

as acusações que se acreditava compelido a formular, rogou, certa noite, ao

Senhor, lhe esclarecesse o espírito angustiado.

Efetivamente, sonhou que Jesus vinha desfazer-lhe as dúvidas aflitivas.

Ajoelhou-se aos pés do Amoroso Amigo e perguntou:

— Mestre, que normas adotar perante um homicida? Não estará

lõgicamente incurso nas penas legais?

O Cristo sorriu, de leve, e respondeu:

— Sim, o criminoso está condenado a receber remédio corretivo, por

doente da alma.

O juiz considerou estranha a resposta; contudo. prosseguiu indagando:

— Como agir, ante o delinqüente rude, Senhor?

— Está condenado a valer-se de nosso auxílio, através da educação pelo

amor paciente e construtivo — explicou Jesus, bondoso e calmo.

— Mestre, e que corrigenda aplicar ao preguiçoso?

— Está condenado a manejar a enxada ou a picareta, conquistando o pão

com o suor do rosto.

— Que farei da mulher pervertida? — interrogou o jurista, surpreso.

— Está condenada a beneficiar-se de nosso amparo fraterno, a fim de que

se reerga para a elevação do trabalho e para a dignidade humana.

— Senhor, como julgar o ignorante?

— Está condenado aos bons livros.

— E o fanático?

— Está condenado a ser ouvido e interpretado com tolerância e caridade,

até que aprenda a libertar a própria alma.

— Mestre, e que diretrizes adotar, ante um ladrão?

— Está condenado à oficina e à escola, sob vigilância benéfica.

— E se o ladrão é um assassino?

— Está condenado ao hospício, onde se lhe cure a mente envenenada.

O magistrado passou a meditar gravemente e lembrou-se de que deveria

modificar todas as peças do tribunal, substituindo a discriminação de castigos

diversos por remédio, serviço, fraternidade e educação. Todavia, não se

sentindo bem com a própria consciência, endereçou ao Senhor suplicante

olhar, e perguntou, depois de longos instantes:

— Mestre, e de mim mesmo, que farei?

Jesus sorriu, ainda uma vez, e disse, sereno:

— O cristão está condenado a compreender e ajudar, amar e perdoar,

educar e construir, distribuir tarefas edificantes e bênçãos de luz renovadora,

onde estiver.

Nesse momento, o juiz acordou em lágrimas e, de posse da sublime lição

que recebera, reconheceu que, dali em diante, seria outro homem.

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33

Viveremos sempre

Filho, não humilhes os ignorantes e os fracos.

Todos somos viajores da vida eterna.

Do berço ao túmulo atravessamos apenas um ato do imenso drama de

nossa evolução para Deus.

Por vezes, o senhor veste o traje pobre do operário humilde para

conhecer-lhe as duras necessidades, e o operário humilde veste o suntuoso

traje do senhor para conhecer-lhe as duras obrigações na tarefa administrativa.

Quando um homem menospreza as oportunidades de tempo e dinheiro

que o Céu lhe confia, volta ao mundo em outro corpo, experimentando a

escassez de tudo.

Não escarneças do aleijado. Tua boca poderá cobrir-se de cicatrizes.

Não recolhas os bens que te não pertencem. Teus braços são suscetíveis

de caírem paralíticos, sem que possas acariciar o que é teu, provisoriamente.

Não caminhes ao encontro do mal, porque o mal dispõe de recursos para

surpreender-te, talvez com a perturbação e com a morte.

Ajuda e passa adiante, expandindo um coração compassivo para com

todas as dores e cheio de amor e perdão para todas as ofensas.

Quando não puderes louvar, cala-te e espera, porque a língua viciada na

definição dos defeitos alheios regressa ao mundo em plena mudez.

Quem chega através de um berço risonho, na maioria dos casos é alguém

que torna ao campo da carne, a fim de restaurar-se e aprender.

Assim como a flor se destina ao fruto que alimenta, o teu conhecimento

deve produzir a bondade que constrói e santifica.

Lembra-te de que longo é o caminho e que necessitaremos trocar de

corpo, na direção da vitória final, tantas vezes quantas forem precisas, até que

a indispensabilidade da vestimenta física se desvaneça com as encarnações

sucessivas...

Colheremos da sementeira que fizermos.

Não desprezes, assim, os menos felizes.

O malfeitor e o vagabundo que se deixaram escravizar pelos demônios da

preguiça são igualmente nossos irmãos. Ajudemo-los, através de todos os

meios ao nosso alcance.

Nem sempre o verdadeiro infortunado éaquele que se debate num leito de

sofrimento. Não olvides o infeliz bem trajado que cruza as avenidas da

ignorância, sem paz e sem luz.

Filho meu, voltaremos ainda à Terra, provàvelmente, muitas vezes...

O serviço de redenção assim o exige.

Ama a todos.

Auxilia indistintamente.

Semeia o bem, à margem de todas as estradas.

Recorreremos ao amparo de muitos. É da Lei do Senhor que não

avancemos sem os braços fraternos uns dos outros.

Prepara, desde agora, a colaboração de que necessitarás, a fim de

prosseguirmos, em paz, montanha acima! Sê irmão de todos, para que te

sintas, desde hoje, no centro da grande família humana, e o Senhor Supremo

te abençoará.

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34

A galinha afetuosa

Gentil galinha, cheia de instintos maternais, encontrou um ovo de regular

tamanho e espalmou as asas sobre ele, aquecendo-o carinhosamente. De

quando em quando, beijava-o, enternecida. Se saia a buscar alimento, voltava

apressada, para que lhe não faltasse calor vitalizante. E pensava, garbosa: —

“Será meu pintainho! será meu filho!”

Em formosa manhã de céu claro, notou que o filhotinho nascia, robusto.

Criou-o, com todos os cuidados. No entanto, em dourado crepúsculo de

verão, viu-o fugir pelas águas de um lago, sobre as quais deslizava contente.

Chamou-o, como louca, mas não obteve resposta. O bichinho era um pato

arisco e fujão.

A galinha, desalentada por haver chocado um ovo que lhe não pertencia à

família, voltou muito triste, ao velho poleiro; todavia, decorrido algum tempo e

encontrando outro ovo, repetiu a experiência.

Nova criaturinha frágil veio à luz. Protegeu-a, com ternura, dedicou-se ao

filho com todas as forças, mas, em breve, reparou que não era um pintainho

qual fora, ela mesma, na infância. Tratava-se dum corvo esperto que a deixou

em doloroso abatimento, voando a pleno céu, para juntar-se aos escuros

bandos de aves iguais a ele.

A desventurada mãe sofreu muitíssiMo. Entretanto, embora resolvida a

viver só. foi surpreendida, certo dia, por outro ovo, de delicada feição.

Recapítulou as esperanças maternas e chocou-o. Dentro em pouco, o filhote

surgia. A galinha afagou-o, feliz, mas, com o transcurso de algumas semanas,

observou que o filho já crescido persQguia ratos à sombra. Durante o dia, dava

mostras de perturbado e cego; no entanto, em se fazendo a treva, exibia olhos

coruscantes que a amedrontavam. Em noite mais escura, fugiu para uma torre

muito alta e não mais voltou. Era uma coruja nova, sedenta de aventuras.

A abnegada mãe chorou amargamente. Porém, encontrando outro ovo,

buscou ampará-lo. Aninhou-se, aqueceu-o e, findos trinta dias, veio à luz

corpulento filhote. A galinha ajudou-o como pôde, mas, em breve, o filho

revelou crescimento descomunal. Passou a mirá-la de alto a baixo. Fez-se

superior e desconheceu-a. Era um pavãozinho orgulhoso que chegou mesmo a

maltratá-la.

A carinhosa ave, dessa vez, desesperou em definitivo. Saiu do galinheiro

gritando e dispunha-se a cair nas águas de rio próximo, em sinal de protesto

contra o destino, quando grande galinha mais velha a abordou, curiosa, a

indagar dos motivos que a segregavam em tamanha dor.

A mísera respondeu, historiando o próprio caso.

A irmã experiente estampou no olhar linda expressão de complacência e

considerou, cacarejando:

— Que é isto, amiga? não desespere. A obra do mundo é de Deus, nosso

Pai. Há ovos de gansos, perus, marrecos, andorinhas e até de sapos e

serpentes, tanto quanto existem nossos próprios ovos. Continue chocando e

ajudando em nome do Poder Criador; entretanto, não se prenda aos resultados

do serviço que pertencem a Ele e não a nós, mesmo porque a escada para

o Céu é infinita e os degraus são diferentes. Não podemos obrigar os outros a

serem iguais a nós, mas é possível auxiliar a todos, de acordo com as nossas

possibilidades. Entendeu?

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A galinha sofredora aceitou o argumento, resignou-se e voltou, mais calma,

ao grande parque avícola a que se filiava.

O caminho humano estende-se, repleto de dramas iguais a este. Temos filhos,

irmãos e parentes diversos que de modo algum se afinam com as nossas

tendências e sentimentos. Trazem consigo inibições e particularidades de

outras vidas que não podemos eliminar de pronto. Estimaríamos que nos

dessem compreensão e carinho, mas permanecem ixnantados a outras

pessoas e situações, com as quais assumiram inadiáveis compromissos. De

outras vezes, respiram noutros climas evolutivos.

Não nos aflijamos, porém.

A cada criatura pertence a claridade ou a sombra, a alegria ou a tristeza do

degrau em que se colocou.

Amemos sem o egoísmo da posse e sem qualquer propósito de

recompensa, convencidos de que Deus fará o resto.

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35

Na sementeira do amor

Ajuda sempre, filho meu.

Pensa no bem, exalta-lhe a grandeza e intensifica-lhe os dons na Terra.

A glória mais expressiva do perdão não reside tanto na superioridade

daquele que o dispensa, mas sim na soma de benefícios gerais que virão

depois dele, O mais alto valor do concurso fraterno não está contido no socorro

às necessidades materiais de ordem imediata e, sim, no estimulo à confiança e

à fraternidade.

Somente os espíritos em desequilíbrio extremo, fundamente cristalizados

no mal, menosprezam as manifestações do bem.

Sei que é difícil julgar o destino de uma dádiva e, por vezes, teu

pensamento se perde, inutilmente, em complicadas conjeturas.

“Terei dado para o bem? terei dado para o mal ?“ — interrogas a ti mesmo.

Mas, se não deste quanto possuis, se apenas concedeste migalhas do

tesouro que o Senhor te confiou, não poderás ajudar ao próximo, tranquilamente,

em nome do mesmo generoso Senhor que tudo te emprestou no

mundo, a título precário?

Claro que te não rogo favorecer o crime e a desordem visíveis ao nosso

olhar. Entretanto, se te posso pedir alguma coisa, em tempo algum te negues à

cooperação fraterna.

Não abandones o enfermo, receando aborrecimentos, e nem fujas ao irmão

desditoso que caiu nas malhas da justiça, temendo dissabores.

Se tua bondade não for compreendida, aprende a esperar.

Não é mais cristão aquele que serve por amor de servir, sem qualquer

expectativa de remuneração?

Não te esqueças de que o Mestre foi conduzido ao madeiro da angústia,

por ajudar e amar sempre...

Erra, auxiliando.

Será melhor assim, porque todos estamos sob o olhar da Vigilância Divina.

O homem que ajuda por vaidade e ostentação, quase sempre, em pouco

tempo, cria para si mesmo o hábito de auxiliar, atingindo sublimes virtudes.

Aquele, porém, que muito fiscaliza os beneficiados e raciocina com excesso

quanto

ao “dar” e ao “não dar” converte-se, não raro, em calculista da piedade, a

endurecer o coração, por séculos numerosos.

Ouve! Estamos à frente do tempo infinito...

É imprescindível cemear.

Não adubes o vício e o crime. Todavia, não olvides que é necessário

plantar muito amor, para que o amor nos favoreça.

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36

O maior pecado

Um sacerdote sábio, desejando ensinar o caminho do Céu aos crentes que

confiavam nele, rogou a Jesus, depois de longas meditações e sacrifícios, lhe

fôsse revelado qual o maior impedimento contra a iluminação espiritual.

Com efeito, de mente limpa, dormiu e sonhou que era conduzido à Porta

Celestial.

Nimbado de esplendor, um anjo recebeu-o, benevolente.

- Mensageiro de Deus! — clamou o sacerdote — venho rogar a verdade

para as ovelhas humanas que me seguem...

— Que pretendes saber? — indagou a entidade angélica.

— Peço esclarecimento sobre o maior obstáculo para a alma, na marcha

para Deus. Sei que temos sete pecados mortais que aniquilam em nós a graça

divina, na ascensão para o Alto. Sob a influência de semelhantes monstros,

rola o espírito no despenhadeiro infernal. Entretanto, desejaria explicações

mais claras, quanto ao problema do mal, porque nossas faltas variam ao

infinito.

O anjo sorriu e considerou:

— A solução é simples. Quais são os pecados a que te referes?

O ministro da fé movimentou os dedos e respondeu:

— Soberba, avareza, luxúria, ira, gula, inveja e preguiça. Deles nascem as

demais imperfeições.

O mensageiro, contudo, acrescentou:

— No fundo, porém, podemos reduzi-los àunidade. Todos os pecados,

inclusive os mortais, procedem de uma fonte única.

O sacerdote, curioso, suplicou:

— Oh! anjo amigo, aclara-me o entendimento! Há muitos aprendizes, na

Terra, aguardando-me a palavra!...

O emissário da Esfera Superior, sem qualquer presunção de superioridade,

passou a elucidar:

— Escuta e atende!

Se o soberbo trabalhasse para o bem de todos, não encontraria ensejo de

cultivar o orgulho e a vaidade que o levam a acreditar-se ponto central do

universo.

Se o avarento conhecesse a vantagem do suor, na felicidade dos

semelhantes, não se entregaria à volúpia da posse que o obriga a acumular

dinheiro inütilmente.

Se o homem inclinado à tentação dos prazeres fáceis aprendesse a

despender as próprias forças em favor da elevação coletiva, não disporia de

ocasião para prender-se às paixões aniquiladoras que o arrastam ao crime.

Se as pessoas facilmente irascíveis estivessem dispostas a servir de

acordo com os designios divinos, não envenenariam a própria saúde com

remorsos e angústias injustificáveis.

Se o guloso vivesse atento à tarefa construtiva que lhe cabe no mundo, não

se escravizaria aos apetites devastadores que lhe arruinam o corpo e a alma.

E se o invejoso utilizasse a existência, no trabalho digno, não gastaria

tempo acompanhando maliciosamente as iniciativas do próximo, complicando o

próprio destino...

Como vê, o maior dos pecados, a causa primordial de todos os males, é a

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preguiça.

Dá trabalho edificante às tuas ovelhas e convence-te de que, na posse do

serviço, não se afastarão do caminho justo.

O sacerdote não mais teve o que perguntar.

Despertou, edificado, e, do dia seguinte em diante, o povo reparou que o

ministro modificara as pregações.

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37

Apontamento

Manifestaste Indisfarçável aborrecimento, ante as observações paternas

que te contrariaram os propósitos impensados.

Ontem, abusaste da alimentação, hoje pretendias uma excursão

inconveniente.

Referiu-se teu pai às necessidades do espírito, com acentuada tristeza;

todavia, longe de lhe entenderes a nobreza do gesto, buscaste, intempestivo,

os braços maternos, na ânsia incontida de aprovação aos teus caprichos

juvenis.

Foste, porém, injusto.

O jovem que recusa a orientação acertada dos mais velhos que lhe

desejam o bem, procede qual lavrador leviano que reprova a boa semente.

Estimas as longas incursões no pomar, quando as laranjeiras se cobrem

de frutos e quando a parreira deita uvas doces.

Acreditas, no entanto, que as árvores excelentes teriam crescido sem

cuidado? admites que a vinha não necessitou de amparo em pequena?

Todas as plantas, mormente as mais tenras, sofrem insistentes

perseguições de detritos e vermes. Sem carinhosas mãos que as protejam,

ser-lhes-ia impraticável o desenvolvimento e a frutificação; muitos dias de

vigilância requerem do pomicultor antes de nos atenderem na chácara.

Ignoras que o mesmo acontece no campo do coração?

As más experiências de uma criança acompanham-na a vida inteira.

Diz antigo provérbio: “com o tempo, a folha da amoreira converte-se em

veludoso cetim”; mas não podemos esquecer que também com o tempo as

águas desamparadas e esquecidas se transformam em pântano.

Não te revoltes contra a sementeira de reflexão e bondade que o carinho

paterno realiza em teu espírito.

Sobretudo, não te impressiones com a fantasiosa opinião de colegas da rua, O

tempo dará corpo aos princípios inferiores ou superiores que abraçares e,

enquanto o companheiro estranho ao teu lar pode ser o amigo de alguns dias,

o papai ser-te-á o amigo e benfeitor de muitos anos.

70

38

O remédio imprevisto

O pequeno príncipe Julião andava doente e abatido.

Não brincava, não estudava, não comia. Perdera o gosto de colher os

pêssegos saborosos do pomar. Esquecera a peteca e o cavalo.

Vivia tristonho e calado no quarto, esparramado numa espreguiçadeira.

Enquanto a mãezinha, aflita, se desvelava junto dele, o rei experimentava

muitos médicos.

Os facultativos, porém, chegavam e saíam, sem resultados satisfatórios.

O menino sentia grande mal-estar. Quando se lhe aliviava a dor de cabeça,

vinha-lhe a dor nos braços. Quando os braços melhoravam, as pernas se

punham a doer.

O soberano, preocupado, fêz convite público aos cientistas do País.

Recompensaria nababescamente a quem lhe curasse o filho.

Depois de muitos médicos famosos ensaiarem, embalde, apareceu um

velhinho humilde que propôs ao monarca diferente medicação. Não exigia

pagamento. Reclamava tão sômente plena autoridade sobre o doentinho.

Julião deveria fazer o que lhe fôsse determinado.

O pai aceitou as condições e, no dia imediato, o menino foi entregue ao

ancião.

O sábio anônimo conduziu-o a pequeno trato de terra e recomendou-lhe

arrancasse a erva daninha que ameaçava um tomateiro.

— Não posso! estou doente! — gritou o menino.

O velhinho, contudo, convenceu-o, sem impaciência, de que o esforço era

viável e, em minutos breves, ambos libertavam as plantas da erva invasora.

Veio o Sol, passou o vento; as nuvens, no alto, rondavam a terra, como a

reparar onde estava o campo mais necessitado de chuva...

Um pouco antes do meio-dia, Julião disse ao velho que sentia fome, O

sábio humilde sorriu, contente, enxugou-lhe o suor copioso e levou-o a

almoçar.

O jovem devorou a sopa e as frutas, gostosamente.

Após ligeiro descanso, voltaram a trabalhar.

No dia seguinte, o ancião levou o príncipe a servir na construção de

pequena parede.

Julião aprendeu a manejar os instrumentos menores de um pedreiro e

alimentou-se ainda melhor.

Finda a primeira semana, o orientador traçou-lhe novo programa.

Levantava-se de manhã para o banho frio, obrigava-se a cavar a terra com

uma enxada, almoçava e repousava. Logo após, antes do entardecer, tomava

livros e cadernos para estudar e, à noitinha, terminada a última refeição,

brincava e passeava, em companhia de outros jovens da mesma idade.

Transcorridos dois meses, Julião era restituído à autoridade paternal,

rosado, robusto e feliz. Ardia, agora, em desejos de ser útil, ansioso por fazer

algo de bom. Descobrira, enfim, que o serviço para o bem é a mais rica fonte

de saúde.

O rei, muito satisfeito, tentou recompensar o velhinho.

Todavia, o ancião esquivou-se, acrescentando:

— Grande soberano, o maior salário de um homem reside na execução da

Vontade de Deus, através do trabalho digno. Ensina a glória do serviço aos

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teus filhos e tutelados e o teu reino será abençoado, forte e feliz.

Dito isto, desapareceu na multidão e ninguém mais o viu.

72

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Dos animais aos meninos

Meu pequeno amigo:

Ouça.

Não nos faça mal, nem nos suponha seus adversários.

Somos imensa classe de servidores da Natureza e criaturas igualmente de

Deus.

Cuidamos da sementeira para que lhe não falte o pão, ainda que muitos de

nossa família, por ignorância, ataquem os grelos tenros da verdura e das

árvores, devorando germens e flores. Somos nós, porém, que, na maioria das

vezes, garantimos o adubo às plantações e defendemo-las contra os

companheiros daninhos.

Se você perseguir-nos, sem comiseração por nossas fraquezas, quem lhe

suprirá o lar de leite e ovos?

Não temos paz em nossas furnas e ninhos, obrigados que estamos a

socorrer as necessidades dos homens.

Você já notou o pastor, orientando-nos cuidadosamente? Julgávamo-lo,

noutro tempo, um protetor incondicional que nos salvava do perigo por amor e

lambíamos-lhe as mãos, reconhecidamente. Descobrimos, afinal, que sempre

nos guiava, ao fim de algum tempo, até ao matadouro, entregando-nos a

impiedosos carrascos. Às vezes, conseguíamos escapar por momentos,

tornando até ele, suplicando ajuda, e víamos, desiludidos, que ele mesmo

auxiliava o verdugo a enterrar-nos o cutelo pela garganta a dentro.

A princípio, revoltámo-nos. Compreendemos, depois, que os homens

exigiam nossa carne e resignamo-nos, esperando no Supremo Criador que

tudo vê.

As donas de casa que comumente nos chamam, gentis, através de currais,

pocilgas e galinheiros, conquistam-nos a amizade e a confiança, para, em

seguida, nos decretarem a morte, arrastando-nos espantados e semi-vivos à

água fervente.

Não nos rebelamos. Sabemos que há um Pai bondoso e justo, observandonos,

de certo, os padecimentos e humilhações, apreciando-nos os sacrifícios.

De qualquer modo, todavia, estamos inseguros em toda parte. Ignoramos

se hoje mesmo seremos compelldos a abandonar nossos filhinhos

em lágrimas ou a separar-nos dos pais queridos, a fim de atendermos à

refeição de alguém.

Por que motivo, então, se lembrará você de apedrejar-nos sem piedade?

Não nos maltrate, bom amigo.

Ajude-nos a produzir para o bem.

Você ainda é pequeno e, por isto mesmo, ainda não pode haver adquirido

o gosto de matar. Não é justo, assim, colocarmo-nos de mãos postas, ante o

seu olhar bondoso, esperando de seu coração aquele amor sublime que Jesus

nos ensinou?

73

40

A lenda da árvore

No princípio do mundo, quando os vários reinos da Natureza já se

achavam apaziguados e enquanto o ouro e o ferro repousavam no sub-solo, o

homem, os animais de grande porte, os passarinhos, as borboletas, as ervas e

as águas viviam na superfície da Terra... E o Supremo Senhor, notando que os

serviços planetários se desdobravam regularmente, chamou-os ao seu Trono

de Luz, a fim de ouvi-los.

A importante audiência do Todo-Poderoso começou pelo Homem, que se

aproximou do Altíssimo e informou:

— Meu Pai, o globo terrestre é nossa gloriosa oficina. Minha esposa, tanto

quanto eu, se sente muito feliz; entretanto, experimentamos falta de alguém

que nos faça companhia, em torno do lar, e nos auxilie a criar os filhinhos.

O Todo-Misericordioso mandou anotar a referência do Homem e continuou

a ouvir as outras criaturas.

Veio o Boi e falou:

— Senhor, estou muito bem; contudo, vagueio sem descanso durante as

horas de sol. Grande é a minha fadiga e a resistência cada vez menor...

Veio o Cavalo e reclamou:

— Eu também, Grande Rei, sinto aflitivo calor cada dia...

Aproximou-se a Corça e rogou:

— Poderoso, estou exposta à perseguição de toda gente. Não terei a graça

de um ser amigo que me proteja e defenda?

Logo após, surgiu gracioso passarinho e suplicou:

— Celeste Monarca, recebi a bênção da vida, mas não tenho recursos para

fazer meu ninho. Nas pastagens rasteiras, não posso construir a casa...

Adiantou-se a Borboleta e implorou:

— Meu Deus, tudo é belo no mundo; todavia, onde repousarei?

Em último lugar, chegou o Rio e disse:

— Grande Senhor, venho cumprindo os meus deveres na Terra,

escrupulosamente, mas preciso de alguém que me ajude a conservar as

águas...

O Supremo Soberano ficou pensativo e prometeu providenciar.

No dia imediato, toda a Terra apareceu diferente.

As árvores robustas e acolhedoras haviam surgido, representando a

sublime resposta de Deus.

74

41

O exército poderoso

O exército poderoso, à nossa disposição, está constituído, na atualidade,

por vinte e três soldadinhos do progresso.

Separam-se, movimentam-Se, entrelaçam-se e dominam o grande país

das ideias.

Sem eles, cresceríamos para a sombra, quando não para a brutalidade.

Em companhia desses auxiliares pequeninos, penetramos os santuários

da ciência e da arte, aperfeiçoando a vida.

Quem os não conhece?

Estão nos documentos mais importantes.

Fazem as mensagens telegráficas e as receitas dos médicos.

Dão notícias de outras regiões e de outros climas.

Contam as surpresas do Céu, explicam alguma coisa das estrelas

longínquas.

Fornecem avisos preciosos.

São emissários do carinho entre os filhos e as mães distantes.

Raros recordam os benefícios imensos que todos devemos a esses

ajudantes minúsculos. No entanto, eles nos servem sem recompensa. Nada

reclamam pelo trabalho que nos prestam. Alimentam as raízes dos valiosos

conhecimentos dos administradores, dos juizes, dos médicos, dos artistas, sem

qualquer remuneração.

Instrumentos das luzes espirituais que se transmitem, de cérebro a cérebro,

enriquecem a vida; porém, assim como quase nunca nos lembramos de louvar

a água, o vento e a planta, que representam gloriosas dádivas do Altíssimo,

muito raramente lhes observamos os serviços. Jamais se cansam. Vivem no

pensamento, de onde se expandem, amparando-nos os interesses e as

realizações.

Os maus se utilizam deles para fazer a guerra; os bons empregam-nos na

edificação da paz e do conforto, para a redenção e felicidade do mundo.

Esses soldadinhos humildes e prestimosos são as letras do alfabeto. Sem

a cooperação deles, o mundo não seria tão belo e a vida não seria tão boa,

porque o acesso ao reino espiritual se tornaria extremamente difícil.

Aprender a trabalhar com esses pequenos auxiliares da inteligência é

buscar tesouros imperecíveis.

O castelo da cultura humana começa sobre a colaboração deles e vai até à

pátria divina, onde mora a sabedoria dos anjos.

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42

O amigo sublime

É sempre o amigo sublime.

Educa sem ferir-nos.

Diverte, edificando-nos o caráter.

Revela-nos o passado e prepara-nos, diante do porvir.

Repete-nos o que Sócrates ensinou nas praças de Atenas.

Descobre-nos ao olhar maravilhado as civilizações que passaram. O Egito

resplandecente dos faraós, a Grécia dos filósofos e artistas, a Jerusalém dos

hebreus, desfilam ante a nossa imaginação, ao seu toque espiritual.

Conta-nos o que realizou Moisés, o grande legislador.

Lembra-nos a palavra de Platão e Aristóteles.

Junto dele, aprendemos quanto sofreram nossos antepassados, na

conquista do bem-estar de que gozamos presentemente.

Descreve-nos a inutilidade das guerras nascidas do ódio que devastaram o

mundo. Aconselha-nos quanto à sementeira de tranqüilidade e alegria. Ajudanos

no entendimento de nós mesmos e na compreensão de nossos vizinhos.

Dá-nos coragem para o trabalho, e humildade no caminho da experiência.

Sem ele, perderíamos as mais belas notícias de nossos avós e a obra da

vida não alcançaria a necessária significação; passaríamos na Terra, em pleno

desconhecimento uns dos outros, e a lição preciosa dos homens mais velhos

não chegaria aos ouvidos dos mais novos; a religião e a ciência provavelmente

não surgiriam à luz da realidade; os mais elevados ideais do espírito humano

morreriam sem eco; a indústria, o comércio e a navegação não possuiriam

pontos de apoio.

É o traço de união, entre os que ensinam e aprendem, entre os milênios

que já se foram e o dia que vivemos agora.

É, ainda, a esse amigo abençoado que devemos a coleção de notícias e

ensinamentos de Jesus, que renovam a Terra para o Reino Divino.

Esse inesquecível benfeitor do mundo é o livro edificante. Por isto, não nos

esqueçamos

de que todo livro consagrado ao bem é um companheiro iluminado de nossa

vida, merecendo a estima e o respeito universal.

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43

O peru pregador

Um belo peru, após conviver largo tempo na intimidade duma família que

dispunha de vastos conhecimentos evangélicos, aprendeu a transmitir os

ensinamentos de Jesus, esperando-lhe também as divinas promessas. Tão

versado ficou nas letras sagradas que passou a propagá-las entre as outras

aves.

De quando em quando, era visto a falar em sua estranha linguagem “gláglé-

gli-gló-glu”. Não era, naturalmente, compreendido pelos homens. Mas os

outros perus, as galinhas, os gansos e os marrecos, bem como os patos,

entendiam-no perfeitamente.

Começava o comentário das lições do Evangelho e o terreiro enchia-se

logo. Até os pintainhos se aquietavam sob as asas maternas, a fim de ouvi-lo.

O peru, muito confiante, assegurava que Jesus-Cristo era o Salvador do

Mundo, que viera alumiar o caminho de todos e que, por base de sua doutrina,

colocara o amor das criaturas umas para com as outras, garantindo a fórmula

de verdadeira felicidade na Terra. Dizia que todos os seres, para viverem

tranquilos e contentes, deveriam perdoar aos inimigos, desculpar os

transviados e socorrê-los.

As aves passaram a venerar o Evangelho; todavia, chegado o Natal do

Mestre Divino, eis que alguns homens vieram aos lagos, galinheiros, currais e,

depois de se referirem excessivamente ao amor que dedicavam a Jesus,

laçaram frangos, patinhos e perus, matando-os, ali mesmo, ante o assombro

geral.

Houve muitos gritos e lamentações, mas os perseguidores, alegando a

festa do Cristo, distribuíram pancadas e golpes à vontade.

Até mesmo a esposa do peru pregador foi também morta.

Quando o silêncio se fez no terreiro, ao cair da noite, havia em toda parte

enorme tristeza e irremediável angústia de coração.

As aves aflitas rodearam o doutrinador e crivaram-no de perguntas

dolorosas.

Como louvar um Senhor que aceitava tantas manifestações de sangue na

festa de seu natalício? como explicar tanta maldade por parte dos

homens que se declaravam cristãos e operavam tanta matança? não cantavam

eles hinos de homenagem ao Cristo? não se afirmavam discípulos dEle?

precisavam, então, de tanta morte e tanta lágrima para reverenciarem o

Senhor?

O pastor alado, muito contrafeito, prometeu responder no dia seguinte.

Achava-se igualmente cansado e oprimido. Na manhã imediata, ante o Sol

rutilante do Natal, esclareceu aos companheiros que a ordem de matar não

vinha de Jesus, que preferira a morte no madeiro a ter de justiçar; que deviam

todos eles continuar, por isso mesmo, amando o Senhor e servindo-o,

acrescentando que lhes cabia perdoar setenta vezes sete. Explicou, por fim,

que os homens degoladores estavam anunciados no versículo quinze do

capítulo sete, do Apóstolo Mateus, que esclarece: — “Acautelai-vos, porém,

dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas interiormente

são lobos devoradores”. Em seguida, o peru recitou o capítulo cinco do mesmo

evangelista, comentando as bem-aventuranças prometidas pelo Divino Amigo

aos que choram e padecem no mundo.

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Verificou-se, então, imenso reconforto na comunidade atormentada e aflita,

porque as aves se recordaram de que o próprio Senhor, para alcançar a

Ressurreição Gloriosa, aceitara a morte de sacrifício igual à delas.

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44

Somos chamados a servir

O legislador, com a pena, traça decretos para reger o povo.

O escritor utiliza o mesmo instrumento e escreve livros que renovam o

pensamento do mundo.

Mas, não é só a pena que, manejada pelo homem, consegue expressar a

sabedoria, a arte e a beleza, dentro da vida.

Uma vassoura simples faz a alegria da limpeza e, sem limpeza, o

administrador ou o poeta não conseguem trabalhar.

O arado arroteia o solo e traça linhas das quais transbordarão o milho, o

arroz, a batata e o trigo, enchendo os celeiros.

A enxada grava sulcos abençoados no chão, a fim de que a sementeira

progrida.

A plaina corrige a madeira bruta, cooperando na construção do lar.

A janela é um poema silencioso a comunicar-nos com a natureza externa; o

leito é um santuário horizontal, convidando ao descanso.

O malho toma o ferro e transforma-o em utilidades preciosas.

O prato recolhe o alimento e nos sugere a Caridade.

O moinho recebe os grãos e converte-os no milagre da farinha.

O barro desprezível, nas mãos operosas ao oleiro, em breve surge

metamorfoseado em vaso precioso.

Todos os instrumentos de trabalho no mundo, tanto quanto a pena,

concretizam os ideais superiores, as aspirações de serviço e os impulsos

nobres da alma.

Ninguém suponha que, perante Deus, os grandes homens sejam sômente

aqueles que usam a autoridade intelectual manifestada. Quando os políticos

orientam e governam, é o tecelão quem lhes agasalha o corpo. Se os juizes se

congregam nas mesas de paz e justiça, são os lavradores quem lhes ofertam

recurso ao jantar.

Louvemos, pois, a Divina Inteligência que dirige os serviços do mundo!

Se cada árvore produz, segundo a Sua especialidade a benefício da

Prosperidade comum, lembremo-nos de que Somos todos chamados a servir

na obra do Senhor, de maneira diferente

Cada trabalhador em seu campo seja honrado pela Cota de bem que

produza e cada servo Permaneça Convencido de que a maior homenagem

suscetível de ser prestada por nós ao Senhor é a correta execução do nosso

dever, Onde estivermos.

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45

O anjo da limpeza

Adélia ouvira falar em Jesus e tomara-se de tamanha paixão pelo Céu que

nutria um desejo único — ser anjo para servir ao Divino Mestre.

Para isso, a boa menina fez-se humilde e crente, e, quando se não achava

na escola em contacto com os livros, mantinha-se na câmara de dormir em

preces fervorosas.

Cercava-se de lindas gravuras, em que os artistas do pincel lembram a

passagem do Cristo entre os homens, e, em lágrimas, repetia: — “Senhor,

quero ser tua! quero servir-te!...”

A Mãezinha, em franca luta doméstica, embalde convidava-a aos serviços

da casa.

Adélia sorria, abraçava-se a ela e reafirmava o propósito de preparar-se

para a companhia do Divino Amigo.

A bondosa senhora, observando que o ideal da filha só merecia louvores,

deixava-a em paz com os estudos e orações de cada dia.

Meses correram sobre meses e a jovem prosseguia inalterável.

Orando sempre, suplicava ao Senhor a transformasse num anjo.

Decorridos dois anos de rogativas, sonhou, certa noite, que era visitada

pelo Mestre Amoroso.

Jesus envolvia-se em vasta auréola de claridade sublime. A túnica

luminosa, a cair-lhe dos ombros com graça e beleza, parecia de neve coroada

de sol.

Estendendo-lhe a destra compassiva, o Cristo observou-lhe:

— Adélia, ouvi tuas súplicas e venho ao teu encontro. Desejas realmente

servir-me?

— Sim, Senhor! — respondeu a pequena, inflamada de comoção jubilosa,

convencida de que o Salvador a conduziria naquele mesmo instante para o

Céu.

— Ouve! — tornou o Mestre, docemente.

Ansiosa de pôr-se a caminho do paraíso, a jovem replicou, reverente:

— Dize, Senhor! estou pronta!... Leva-me contigo, sinto-me aflita para

comparecer entre os que retêm a glória de servir-te no plano celestial!...

O Cristo sorriu, bondoso, e considerou:

Não, Adélia. Nosso Pai não te colocou inutilmente na Terra. Temos

enorme serviço neste mundo mesmo. Estimo tuas preces e teus pensamentos

de amor, mas preciso de alguém que me ajude a retirar o lixo e os detritos que

se amontoam, não longe de tua casa. Meninos Cruéis prejudicaram a rede de

esgoto, a pequena distância do teu lar. Aí se concentra perigoso foco de

moléstias, ameaçando trabalhadores desprevenidos, mães devotadas e

crianças incautas. Vai, minha filha! Ajuda-me a salvá-los da morte. Estarei

contigo, auxiliando-te nessa meritória tarefa.

A menina preocupada quis fazer perguntas, mas o Mestre afastou-se, de

leve...

Acordou sobressaltada.

Era dia.

Vestiu-se à pressa e procurou a zona indicada. Corajosa muniu-se de

desinfetantes, armou-se de enxada e vassoura pediu a contribuição materna, e

o foco infeccioso foi extinto.

80

A discípula obediente, todavia, não parou mais.

Diariamente, ao regressar da escola, punha-se a colaborar com a Mamãe,

em casa, zelando também quanto lhe era Possível pela higiene das vias

públicas e ensinando outras crianças a serem tão Cuidadosas, quanto ela

mesma. Tanto trabalhou e se esforçou que, certo dia, o diretor do grupo escolar

lhe conferiu o título de Anjo da Limpeza. Professoras e colegas comemoraram

festivamente o acontecimento.

Chegada a noite, dormiu contente e sonhou que Jesus vinha encontrá-la,

de novo.

Nimbado de luz, abraçou-a, com ternura, e disse-lhe brandamente:

— Abençoada sejas, filha minha! agora, que os próprios homens te

reconhecem por benfeitora, agradeço-te os serviços que me prestas diàriamente.

Anjo da Limpeza na Terra, serás Anjo de Luz no Paraíso.

Em lágrimas de alegria intensa, Adélia despertou, feliz, compreendendo,

cada vez mais, que a verdadeira ventura reside em colaborar com o Senhor,

nos trabalhos do bem, em toda parte.

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46

No passeio matinal

Dionísio, o moleiro, muito cedo partiu em companhia do filhinho, na direção

de grande milharal.

A manhã se fizera linda.

Os montes próximos pareciam vestidos em gaze esvoaçante.

As folhas da erva, guardando, ainda, o orvalho noturno, assemelhavam-se

a caprichoso tecido verde, enfeitado de pérolas. Flores vermelhas, aqui e ali,

davam a ideia de jóias espalhadas no chão.

As árvores, muito grandes, à beira da estrada, despertavam, de leve, à

passagem do vento.

O Sol aparecia, brilhante, revestindo a paisagem numa coroa

resplandecente.

Reinaldo, o pequeno guiado pela mão paterna, seguia num

deslumbramento. Não sabia o que mais admirar: se o lençol de neblina muito

alva, se o horizonte inflamado de luz. Em dado momento, perguntou, feliz:

— Papai, de quem é todo este mundo?

— Tudo pertence ao Criador, meu filho —esclareceu o moleiro, satisfeito —

; o Sol, o ar, as águas, as árvores e as flores, tudo, tudo, é obra dEle, nosso

Pai e Senhor.

— Para que tudo isto? — continuou o petiz contente.

— A fim de recebermos esta escola divina, que é a Terra.

— Escola?

— Sim, filho — tornou o genitor paciente —, aqui devemos aprender, no

trabalho, a amar-nos uns aos outros, aprimorando sentimentos, quanto

devemos aperfeiçoar o solo que pisamos, transformando colinas, planícies e

pedras em cidades, fazendas, estábulos, pomares, milharais e jardins.

Reinaldo não entendeu, de pronto, o que significava “aprimorar

sentimentos”; contudo, sabia perfeitamente o que vinha a ser a remoção dum

monte empedrado. Surpreso, voltou a indagar:

— Então, papai, somos obrigados a trabalhar tanto assim? Como será

possível modificar este mundo tão grande?

O moleiro pensou alguns instantes e observou:

— Meu filho, já ouvi dizer que uma andorinha vagueava só, quando notou

que um incêndio lavrava em seu campo predileto, O fogo consumia plantas e

ninhos. Em vão, gritou por socorro. Reconhecendo que ninguém lhe escutava

as súplicas, pôs-se rápida para o córrego não distante, mergulhando as

pequenas asas na água fria e límpida; daí, voltava para a zona incendiada,

sacudindo as asas molhadas sobre as chamas devoradoras, procurando

apagá-las. Repetia a operação, já por muitas vezes, quando se aproximou um

gavião preguiçoso, indagando-lhe com ironia: — “Você, em verdade, acredita

combater um incêndio tão grande com algumas gotas dágua?“ A avezinha

prestativa, porém, respondeu, calma: — “É provável que eu não possa fazer a

obra toda; entretanto, sou imensamente feliz cumprindo o meu dever.

O moleiro fêz uma pausa e interrogou o filho:

— Não acredita você que podemos imitar semelhante exemplo? Se todos

procedêssemos como a andorinha operosa e vigilante, em pouco tempo toda a

Terra estaria transformada num paraíso.

82

O menino calou-se, entendendo a extensão do ensinamento e, no íntimo,

contemplando a beleza do quadro matinal, desde as margens do caminho até a

montanha distante, prometeu a si mesmo que procuraria cumprir no mundo

todas as obrigações que lhe coubessem na obra sublime do Infinito Bem.

83

47

O ensino da sementeira

Certo fazendeiro, muito rico, chamou o filho de quinze anos e disse-lhe:

— Filho meu, todo homem apenas colherá daquilo que plante. Cuida de

fazer bem a todos, para que sejas feliz.

O rapaz ouviu o conselho e, no dia imediato, muito carinhosamente alojou

minúsculo cajueiro em local não distante da estrada que llgava o vilarejo

próximo à propriedade paternal.

Decorrida uma semana, tendo recebido das mãos paternas um presente

em dinheiro, foi àvila e protegeu pequena fonte natural, construindo-lhe

conveniente abrigo com a cooperação de alguns poucos trabalhadores, aos

quais recompensou generosamente.

Reparando que vários mendigos por ali passavam, ao relento, acumulou as

dádivas que recebia dos familiares e, quando completou vinte anos, edificou

reconfortante albergue para asilar viajores sem recursos.

Logo após, a vida lhe impôs amargurosas surpresas.

Sua Mãezinha morreu num desastre e o Pai, em virtude das perseguições

de poderosos inimigos na luta comercial, empobreceu ràpidamente, falecendo

em seguida. Duas irmãs mais velhas casaram-se e tomaram diferentes rumos.

O rapaz, agora sôzinho, embora jamais esquecesse os conselhos

paternos, revoltou-se contra as idéias nobres e partiu mundo afora.

Trabalhou, ganhou enorme fortuna e gastou-a, gozando os prazeres

inúteis.

Nunca mais cogitou de semear o bem.

Os anos se desdobraram uns sobre os outros.

Entregue à idade madura, dera-se ao vício de jogar e beber.

Muita vez, o Espírito de seu pai se aproximava, rogando-lhe cuidado e

arrependimento. O filho registrava-lhe os apelos em forma de pensamentos,

mas negava-se a atender. Queria sômente comer à vontade e beber nas casas

ruidosas, até à madrugada.

Acontece, porém, que o equilíbrio do corpo tem limites e sua saúde se

alterou de maneira lamentável. Apareceram-lhe feridas por todo o corpo. Não

podia alimentar-se regularmente. Perdeu a fortuna que possuia, através de

viagens e tratamentos caros. Como não fizera afeições,

foi relegado ao abandono. Branquejaram-se-lhe

os cabelos. Os amigos das noitadas alegres fugiram dele; envergonhado,

ausentou-se da cidade

a que se acolhera e transformou-se em mendigo. Peregrinou pôr muitos

lugares e por muitos

climas, até que, um dia, sentiu imensas saudades do antigo lar e voltou ao

pequeno burgo que o vira crescer.

Fez longa excursão a pé. Transcorridos muitos dias, chegou, extenuado,

ao sítio de outro tempo.

O cajueiro que plantara convertera-se em árvore dadivosa. Encantado, viulhe

os frutos tentadores. Aproveitou-os para matar a própria fome e seguiu para

a vila. Tinha sede e buscou a fonte. A corrente cristalina, bem protegida,

afagou-lhe a boca ressequida.

Ninguém o reconheceu, tão abatido estava.

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Em breve, desceu a noite e sentiu frio. Dois homens caridosos ofereceramlhe

os braços e conduziram-no ao velho asilo que ele mesmo construíra.

Quando entrou no recinto, derramou muitas lágrimas, porque seu nome estava

gravado na parede com palavras de louvor e bênção.

Deitou-se, constrangido, e dormiu.

Em sonho, viu o Espírito do pai, junto a ele, exclamando:

- Aprendeste a lição, meu filho? Sentiste fome e o cajueiro te alimentou;

tiveste sede e a fonte te saciou; necessitavas de asilo e te acolheste ao lar que

edificaste em favor dos que passam com destino incerto...

Abraçando-o, com ternura, acrescentou:

— Porque deixaste de semear o bem?

O interpelado nada pôde responder. As lágrimas embargavam-lhe a voz,

na garganta.

Acordou, muito tempo depois, com o rosto lavado em pranto, e, quando o

encarregado do abrigo lhe perguntou o que desejava, informou simplesmente:

— Preciso tão somente de uma enxada... Preciso recomeçar a ser útil, de

qualquer modo.

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48

O Espírito da Maldade

O Espírito da Maldade, que promove aflições para muita gente, vendo, em

determinada manhã, um ninho de pássaros felizes, projetou destruir as pobres

aves.

A mãezinha alada, muito contente, acariciava os filhotinhos, enquanto o

papai voava, à procura de alimento.

O Espírito da Maldade notou aquela imensa alegria e exasperou-se.

Mataria todos os passarinhos, pensou consigo. Para isto, no entanto,

necessitava de alguém que o auxiliasse. Aquela ação exigia mãos humanas.

Começou, então, a buscar a companhia das crianças. Quem sabe algum

menino poderia obedecê-lo?

Foi a casa de Joãozinho, filho de Dona Laura, mas Joãozinho estava muito

ocupado na assistência ao irmão menor, e, como o Espírito da Maldade

sômente pode arruinar as pessoas insinuando-se pelo pensamento, não

encontrou meios de dominar a cabeça de João. Correu à residência de Zelinha,

filha de Dona Carlota. Encontrou a menina trabalhando, muito atenciosa, numa

blusa de tricô, sob a orientação materna, e, em vista de achar-lhe o cérebro tão

cheio das idéias de agulha, fios de lã e peça por acabar, não conseguiu

transmitir-lhe o propósito infeliz. Dirigiu-se, então, à chácara do senhor Vitalino,

a observar se o Quincas, filho dele, estava em condições de servi-lo. Mas

Quincas, justamente nessa hora, mantinha-se, obediente, sob as ordens do

papai, plantando várias mudas de laranjeiras e tão alegre se encontrava, a meditar

na bondade da chuva e nas laranjas do futuro, que nem de leve percebeu

as idéias venenosas que o Espírito da Maldade lhe soprava na cabeça.

Reconhecendo a impossibilidade de absorvê-lo, o gênio do mal lembrou-se de

Marquinhos, o filho de Dona Conceição. Marquinhos era muito mimado pela

mãe, que não o deixava trabalhar e lhe protegia a vadiagem. Tinha doze anos

bem feitos e vivia de casa em casa a reinar na preguiça. O Espírito da Maldade

procurou-o e encontrou-o, à porta de um botequim, com enorme cigarro à boca.

As mãos dele estavam desocupadas e a cabeça vaga.

— “Vamos matar passarinhos?” — disse o espírito horrível aos ouvidos do

preguiçoso.

Marquinhos não escutou em forma de voz, mas ouviu em forma de idéia.

Saiu, de repente, com um desejo incontrolável de encontrar avezinhas para

a matança.

O Espírito da Maldade, sem que ele o percebesse, conduziu-o, fàcilmente,

até à árvore em que o ninho feliz recebia as carícias do vento. O menino, a

pedradas criminosas, aniquilou pai, mãe e filhotinhos. O gênio sombrio tomaralhe

as mãos e, após o assassínio das aves, levou-o a cometer muitas faltas

que lhe prejudicaram a vida, por muitos e muitos anos.

Somente mais tarde é que Marquinhos compreendeu que o Espírito da

Maldade sômente pode agir, no mundo, por intermédio de meninos vadios ou

de homens e mulheres votados à preguiça e ao mal.

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49

O Divino Servidor

Quando Jesus nasceu, uma estrela mais brilhante que as outras luzia, a

pleno céu, indicando a manjedoura.

A princípio, pouca gente lhe conhecia a missão sublime.

Em verdade, porém, assumindo a forma duma criança, vinha Ele, da parte

de Deus, nosso Pai Celestial, a fim de santificar os homens e iluminar os

caminhos do mundo.

O Supremo Senhor que no-lo enviou é o Dono de Todas as Coisas.

Milhões de mundos estão governados por suas mãos. Seu poder tudo abrange,

desde o Sol distante, até o verme que se arrasta sob nossos pés; e Jesus,

emissário dEle na Terra, modificou o mundo inteiro. Ensinando e amando,

aproximou as criaturas entre si, espalhou as sementes da compaixão fraternal,

dando ensejo à fundação de hospitais e escolas, templos e instituições,

consagrados à elevação da Humanidade. Influenciou, com seus exemplos e

lições, nos grandes impérios, obrigando príncipes e administradores, egoístas e

maus, a modificarem programas de governo. Depois de sua vinda, as prisões

infernais, a escravidão do homem pelo homem, a sentença de morte

indiscriminada a quantos não pensassem de acordo com os mais poderosos,

deram lugar à bondade salvadora, ao respeito pela dignidade humana e pela

redenção da vida, pouco a pouco.

Além dessas gigantescas obras, nos domínios da experiência material,

Jesus, convertendo-se em Mestre Divino das almas, fêz ainda muito mais.

Provou ao homem a possibilidade de construir o Reino da Paz, dentro do

próprio coração, abrindo a estrada celeste à felicidade de cada um de nós.

Entretanto, o maior embaixador do Céu para a Terra foi igualmente criança.

Viveu num lar humilde e pobre, tanto quanto ocorre a milhões de meninos,

mas não passou a infância despreocupadamente. Possuiu companheiros

carinhosos e brincou junto deles. No entanto, era visto diariamente a trabalhar

numa carpintaria modesta. Vivia com disciplina. Tinha deveres para com o

serrote, o martelo e os livros.

Por representar o Supremo Poder, na Terra, não se movia à vontade, sem

ocupações definidas. Nunca se sentiu superior aos pequenos que o cercavam

e jamais se dedicou à humilhação dos semelhantes.

Eis porque o jovem mantido à solta, sem obrigações de servir, atender e

respeitar, permanece em grande perigo.

Filho de pais ricos ou pobres, o menino desocupado é invariàvelmente um

vagabundo. E o vagabundo aspira ao titulo de malfeitor, em todas as

circunstâncias - Ainda que não possua orientadores esclarecidos no ambiente

em que respira, o jovem deve procurar o trabalho edificante, em que possa ser

útil ao bem geral, pois se o próprio Jesus, que não precisava de qualquer

amparo humano, exemplificou o serviço ao próximo, desde os anos mais

tenros, que não devemos fazer a fim de aproveitar o tempo que nos é

concedido na Terra?

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50

Oração dos jovens

Mestre Amado!

Aceita-nos o coração em teu serviço, e, Senhor, não nos deixes sem a tua

lição.

Ensina-nos a obedecer na extensão do bem, para que saibamos

administrar para a glória da vida.

Corrige-nos o entusiasmo, a fim de que a paixão inferior não nos destrua.

Modera-nos a alegria, afastando-nos do prazer vicioso.

Retifica-nos o descanso, para que a ociosidade não nos domine.

Auxilia-nos a gastar o Tesouro das Horas, distanciando-nos das trevas do

Dia Perdido.

Inspira-nos a coragem, sustando-nos a queda nos perigos da precipitação.

Orienta-nos a defesa do Bem, do Direito e da Justiça, a fim de que não nos

convertamos em simples joguetes da maldade e da indisciplina.

Dirige-nos os impulsos, para que a nossa força não seja mobilizada pelo

mal.

Ilumina-nos o entendimento, de modo a nos curvarmos, felizes, ante as

sugestões da Experiência e da Sabedoria, a fim de que a humildade nos

preserve contra as sombras do orgulho.

Senhor Jesus, nosso Valoroso Mestre, ajuda-nos a estar contigo, tanto

quanto estás conosco!

Assim seja.

Fim