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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Quem tem medo da morte?-Richard Simonetti

 

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QUEM TEM MEDO DA MORTE?

Richard Simonetti

O autor nasceu em Bauru, Estado de São Paulo, no dia 10 de outubro de 1935, filho de Francisco Simonetti e Adélia Marchioni Simonetti. Casado com Tânia Regina Moreira de Souza Simonetti, tem quatro filhos: Graziela, Alexandre, Carolinae Giovana. Milita no movimento espírita desde 1957, quando se integrou no Centro Espírita "Amor e Caridade", na mesma cidade, do qual é o atual presidente. A entidade desenvolve largo trabalho no campo doutrinário, mantendo, ainda, departamentos de assistência social, destacando-se a Creche-Berçário, o Centro de Triagem de Migrantes, a Escola de Orientação Social e Profissional e Casas de Sopa. Funcionário aposentado do Banco do Brasil, tem percorrido todos os Estados brasileiros, em palestras de divulgação da Doutrina Espírita.

QUEM TEM MEDO DA MORTE?

Richard Simonetti

Capa: Celso da Silva e Milton Puga

Ilustrações: Celso da Silva

28 Edições - Gráfica São João Ltda.

166.000 exemplares

l Edição Especial - Lúmini-c/EditoraAlto Astral

30.000 exemplares

3a Edição - Ceac Editora

5.000 exemplares - Janeiro/2003

8.001 a 13.000

Edição e Distribuição

Rua 7 de Setembro 8-56

Fone/Fax (l4) 227-0618

CEP 17015-031 -Bauru-SP

"Olhemos para os mortos como para os ausentes;

pensando assim não nos enganaremos." (Sêneca)

"A morte não é mais do que o regresso à verdadeira

vida." (Scipião)

"Nada perece e nada morre, a não ser o revestimento,

a forma, o invólucro carnal, em que o Espírito, encarcerado, se debate,

luta, sofre, aperfeiçoa-se. Morre a forma - essa carcaça - mas rebrilha

a alma - esse gnomo de luz; e o que é essa existência do corpo - um

sopro - perante a existência da alma - a eternidade?Mortos andamos nós,

os vivos; mortos na vida, para ressurgir vivos na morte." (Alberto

Veiga)

REUNIÃO CONCORRIDA.

"Para libertar-se do temor da morte é mister

poder encará-la sob o seu verdadeiro aspecto. Isto é, ter

penetrado pelo pensamento no mundo espiritual, fazendo

dele uma idéia tão exata quanto possível."

(Allan Kardec)

Numa palestra, há alguns anos, no Centro

Espírita "Amor e Caridade", de Bauru, falei sobre

a morte.

O trabalho estava dividido em duas partes.

Inicialmente o tema foi exposto na forma de uma

história ilustrada com "slides" preparados por

Mizael Garbin, dedicado companheiro espírita da

cidade de Mairinque. Na segunda parte respondi

perguntas.

Surpreendeu-me o interesse dos presentes.

Dezenas de indagações foram formuladas. O

mais incrível é que a palestra tem sido reprisada,

anualmente, no mesmo local, com afluência crescente

de público. Perto de 750 pessoas compareceram

'a última apresentação.

O mesmo fenômeno em outras cidades.

Muita gente, muitas perguntas. Algumas repetem-se,

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independente do tamanho da localidade,

estado ou região, relacionadas com suicídio, acidentes

fatais, desligamento, desencarne de

crianças, doação de órgãos, cremação, cemitério,

eutanásia, aborto, assassinato, imprudência,

vício, premonição...

Então surgiu a idéia de escrever este livro,

onde as questões mais freqüentes fossem abordadas.

Uma espécie de cartilha de iniciação ao

conhecimento da morte, algo que interessasse a'

toda gente, independente de crença, já que ninguém

se eximirá de um contato direto ou indireto

com ela, envolvendo seu próprio falecimento ou

de um familiar.

Em face de limitações pessoais, mas

também para torná-lo acessível a qualquer leitor,

evitamos a conceituação eminentemente técnica,

bem como a abordagem erudita.

No essencial, entretanto, guardamos fidelidade

aos princípios da Doutrina Espírita, a

abençoada fonte, onde colhemos a orientação

precisa para enfrentar as dificuldades da vida e

os enigmas da morte.

Quanto ao mais, ficarei muito feliz se esta

cartilha ajudar alguém a "matar" a morte, superando

temores e dúvidas com a compreensão de

que ela apenas transfere nossa residência para o

plano espiritual.

, ;-, : Bauru, junho de 1986.

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BICO DE LUZ

Um homem transitava por estrada deserta,

altas horas. Noite escura, sem luar, estrelas

apagadas... Seguia apreensivo. Por ali

ocorriam, não raro, assaltos... Percebeu que

alguém o acompanhava.

- Olá! Quem vem aí? - perguntou, assustado.

Não obteve resposta. Apressou-se, no

que foi imitado pelo perseguidor. Correu... O

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desconhecido também. Apavorado, em desabalada

carreira, tão rápido quanto suas

pernas o permitiam, coração a galopar no

peito, pulmões em brasa, passou diante de

um bico de luz. Olhou para trás e, como por

encanto, o medo desvaneceu-se. Seu perseguidor

era apenas um velho burro, acostumado

a acompanhar andarilhos.

A história assemelha-se ao que ocorre

com a morte. A imortalidade é algo intuitivo na

criatura humana. No entanto, muitos têm medo,

porque desconhecem inteiramente o processo

e o que os espera na espiritualidade.

As religiões, que deveriam preparar os

fiéis para a vida além-túmulo, conscientizando-os

da sobrevivência e descerrando a cortina

que separa os dois mundos, pouco fazem

nesse sentido, porquanto limitam-se a

incursões pelo terreno da fantasia.

O Espiritismo é o "bico de luz" que ilumina

os caminhos misteriosos do retomo,

afugentando temores irracionais e constrangimentos

perturbadores. com a Doutrina

Espírita podemos encarar a morte com serenidade,

preparando-nos para enfrentá-la. Isso

é muito importante, fundamental mesmo,

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já que se trata da única certeza da existência

humana: todos morreremos um dia!

A Terra é uma oficina de trabalho para

os que desenvolvem atividades edificantes,

em favor da própria renovação; um hospital

para os que corrigem desajustes nascidos

de viciações pretéritas; uma prisão, em expiação

dolorosa, para os que resgatam débitos

relacionados com crimes cometidos em

existências anteriores; uma escola para os

que já compreendem que a vida não é mero

acidente biológico, nem a existência humana

uma simples jornada recreativa; mas não é o

nosso lar. Este está no plano espiritual, onde

podemos viver em plenitude, sem as limitações

impostas pelo corpo carnal.

Compreensível, pois, que nos preparemos,

superando temores e dúvidas, inquietações

e enganos, a fim de que, ao chegar

nossa hora, estejamos habilitados a um retomo

equilibrado e feliz.

O primeiro passo nesse sentido é o de

tirar da morte o aspecto fúnebre, mórbido,

temível, sobrenatural... Há condicionamentos

milenares nesse sentido. Há pessoas que

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simplesmente recusam-se a conceber o falecimento

de um familiar ou o seu próprio.

Transferem o assunto para um futuro remoto.

Por isso se desajustam quando chega o tempo da separação.

"Onde está, ó morte, o teu aguilhão?" pergunta

o apóstolo Paulo (I Co 15:55), a demonstrar

que a fé supera os temores e

angústias da grande transição. O Espiritismo

nos oferece recursos para encarar a morte

com idêntica fortaleza de ânimo, inspirados,

igualmente, na fé. Uma fé que não é arroubo

de emoção. Uma fé lógica, racional, consciente.

Uma fé inabalável de quem conhece e

sabe o que o espera, esforçando-se para que

o espere o melhor.

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O CORPO ESPIRITUAL

- Desencarnar!... Parece coisa de

açougueiro! - comentava, jocoso, um amigo,

católico convicto.

..-,;! E eu, no mesmo tom:

- O açougueiro descarna. A gente desencarna,

sai da carne. Aliás, você é tão magro

que provavelmente vai desensossar, sair

dos ossos.

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Curiosa a resistência à expressão desencarnar.

Compreensível que o materialista

não a aceite. Afinal, para ele tudo termina no

túmulo... O mesmo não deveria ocorrer com

as pessoas que aceitam a sobrevivência,

adeptos de qualquer religião. Se concebemos

que a individualidade sobrevive à morte

física, ela se impõe para definir o processo

que libera o Espírito da carne.

Imperioso para uma compreensão melhor

do assunto considerar a existência do

corpo espiritual ou perispírito, conforme explicam

as questões 150 e 150-a, de "O LIVRO

DOS ESPÍRITOS":

"A alma, após a morte, conserva a sua

individualidade?"

"Sim, jamais a perde. Que seria ela, se

não a conservasse?"

"Como comprova a alma sua individualidade,

uma vez que não tem mais corpo material?"

"Continua a ter um fluído que lhe é próprio,

haurido na atmosfera do seu planeta, e

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que guarda a aparência de sua última encarnação:

seu perispírito."

Bastante esclarecedoras são, também,

as questões 135 e 135-a:

"Há no homem alguma outra coisa além

da alma e do corpo?"

"Há o laço que liga a alma ao corpo."

"De que natureza é esse laço?"

"Semimaterial, isto é, de natureza

intermédia entre o Espírito e o corpo. É preciso

que seja assim para que os dois se possam

comunicar um com o outro. Por meio

desse laço é que o Espírito atua sobre a

matéria e reciprocamente."

!: Comenta Kardec:

"O homem é, portanto, formado de três

partes essenciais:

1.- O corpo ou ser material, análogo ao

dos animais e animado pelo mesmo princípio vital;

2.- A alma, Espírito encarnado que tem

no corpo a sua habitação.

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3.- O princípio intermediário, ou perispírito,

substância semimaterial que serve

de primeiro envoltório ao Espírito e liga a alma

ao corpo. Tais, num fruto, o gérmen, o perisperma

e a casca."

Desde os tempos mais recuados os estudiosos

admitem a existência de um corpo

extracarnal, veículo de manifestação do

Espírito no plano em que atua (no plano físico,

ligando-o à carne; no plano espiritual,

compatibilizando-o com as características e

os seres da região onde se situe).

O apóstolo Paulo reporta-se ao perispírito

quando diz, na II Epístola aos Coríntios

(12: 2 a 4): "Conheço um homem em Cristo,

que há 14 anos (se no corpo não sei, se fora

do corpo não sei; Deus o sabe), foi arrebatado

até ao terceiro céu. E sei que o tal homem

foi arrebatado ao paraíso e ouviu palavras

inefáveis, de que ao homem não é lícito falar".

Enquanto a máquina física dormia,

atendendo aos imperativos de descanso,

Paulo, em corpo espiritual, deslocava-se rumo

às Esferas Superiores, conduzido por

mentores amigos, a fim de receber preciosas

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orientações. Tentando, talvez, definir a natureza

de sua experiência, ele comenta, na

Epístola aos Coríntios (15:40): "Há corpos

celestes e corpos terrestres".

Semelhantes deslocamentos não

constituem privilégio dos santos. Todas as

criaturas humanas o fazem, diariamente, durante

o sono, com registros fugazes e fragmentários

na forma de sonhos. Considere-se,

entretanto, que a natureza dessas excursões

é determinada pelas atividades na vigília.

Por isso, o homem comum, preso a interesses

imediatistas, configurando prazeres,

vícios e ambições, a par de uma total indiferença

pelo auto-aprimoramento espiritual e a

disciplina das emoções, não tem a mínima

condição para experiências sublimes como

a de Paulo.

Todos "morremos", diariamente, durante

o sono. Mas, para transitar com segurança

e lucidez nas regiões além-túmulo,

nessas horas, aproveitando integralmente as

oportunidades de aprendizado, trabalho e

edificação, é preciso cultivar os valores do

espírito durante a vigília. Caso contrário estaremos

tão à vontade no Plano Espiritual como

peixes fora d'água.

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CONCURSO ESPIRITUAL

A expressão "desligamento" define

bem o processo desencarnatório. Para que o

Espírito liberte-se deve ser desligado do corpo

físico, já que permanecemos jungidos a

ele por cordões fluídicos que sustentam nossa

comunhão com a matéria.

Observadas as necessidades de especialização,

como ocorre em qualquer atividade

humana, há técnicos que se aproximam

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do desencarnante, promovendo, com recursos

magnéticos, sua liberação. Somente

indivíduos muito evoluídos, com grande desenvolvimento

mental e espiritual, prescindem

desse concurso. Isso significa que sempre

contaremos com ajuda especializada na

grande transição, a par da presença de amigos

e familiares que nos antecederam.

Naturalmente, o apoio maior ou menor

da Espiritualidade está subordinado aos méritos

do desencarnante. Se virtuoso e digno

merecerá atenção especial e tão logo seja

consumada a desencarnação será conduzido

a instituições assistenciais que favorecerão

sua readaptação à Vida Espiritual. Já os

que se comprometeram com o vício e o crime,

despreocupados da disciplina e do discernimento,

serão desligados no momento

oportuno, mas permanecerão entregues à

própria sorte, estagiando por tempo indeterminado

no Umbral, faixa escura que circunda

a Terra, formada pelas vibrações mentais de

multidões de Espíritos encarnados e desencarnados

dominados, ainda, por impulsos

primitivos de animalidade.

A tradição religiosa consagrou a extrema

unção, em que um oficiante, com ritos e

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rezas, promove a absolvição do moribundo,

em relação aos seus pecados, antecedida,

sempre que possível, da confissão, garantindo-lhe

um ingresso feliz no Além.

No entanto, a realidade mostrada pela

Doutrina Espírita é bem diferente. Fórmulas

verbais e ritualísticas não têm repercussão

nenhuma nos domínios da Morte. O mesmo

ocorre com o arrependimento formal, que reflete

muito mais temor das sanções além-túmulo

do que a consciência da própria

indigência espiritual.

O filho pródigo, na inesquecível parábola

de Jesus, permaneceu à distância do

conforto do lar, em angustiante situação, até

que "caiu em si", reconhecendo que vivia miseravelmente,

enfrentando privações que

não existiam nem mesmo para os servos

mais humildes na casa paterna. Dispôs-se,

então, a encetar a longa jornada de retomo.

Para surpresa sua, foi recebido com júbilo

imenso por seu pai.

Filhos de Deus, criados à Sua imagem

e semelhança, dotados de Suas potencialidades

criadoras, intrinsecamente destinados

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ao Bem, candidatamo-nos a longos estágios

em regiões de sofrimento, além-túmulo,

sempre que nos comprometamos com o Mal,

até que, à semelhança do filho pródigo, reconheçamos

nossa miséria moral e, sinceramente

contritos, retomemos aos caminhos

do Senhor, iniciando laboriosa jornada de renovação.

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DESLIGAMENTO

A desencarnação, a maneira como o

Espírito, com seu revestimento perispiritual,

deixa o corpo, é inacessível à Ciência da Terra,

em seu estágio atual de desenvolvimento,

porquanto ocorre na dimensão espiritual,

que nenhum instrumento científico, por mais

sofisticado, tem conseguido devassar.

Ficamos, portanto, circunscritos às

informações dos Espíritos, que esbarram nas

dificuldades impostas por nossas limitações

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(algo como explicar o funcionamento do sistema

endócrino a uma criança), e pela

ausência de similitude (elementos de comparação

entre os fenômenos biológicos e os espirituais).

Sem entrar, portanto, em detalhes técnicos,

poder-se-ia dizer que o desencarne

começa pelas extremidades e vai se completando

na medida em que são desligados os

cordões fluídicos que prendem o Espírito ao

corpo.

Sabe-se que o moribundo apresenta

mãos e pés frios, um fenômeno circulatório,

porquanto o coração enfraquecido não consegue

bombear adequadamente o sangue.

Mas é também um fenômeno de desligamento.

Na medida em que este se desenvolve, as

áreas correspondentes deixam de receber a

energia vital que emana do Espírito e sustenta

a organização física.

No desdobramento desse processo,

quando é desligado o cordão fluídico que

prende o Espírito ao corpo, à altura do coração,

este perde a sustentação perispiritual

e deixa de funcionar. Cessa, então, a

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circulação sangüínea e a morte consuma-se em

poucos minutos.

A Medicina dispõe hoje de amplos recursos

para reanimar o paciente quando o

coração entra em colapso. A massagem

cardíaca, o choque elétrico, a aplicação intracardíaca

de adrenalina, têm salvado milhares

de vidas, quando aplicados imediatamente,

antes que se degenerem as células cerebrais por falta de oxigenação.

Tais socorros são eficientes quando se

trata de mero problema funcional, como o

enfarte, um estrangulamento da irrigação

sangüínea em determinada área do coração,

em virtude de trombo ou de estreitamento da

artéria. O enfarte pode implicar em desencarne,

mas nem sempre significa que chegou a

hora da Morte, tanto que são freqüentes os

casos em que a assistência médica recupera

o paciente.

Se, entretanto, a parada cardíaca for

determinada pelo desligamento do cordão

fluídico, nenhum médico, por mais hábil, nenhum

recurso da Medicina, por mais eficiente,

operará o prodígio de reanimá-lo. O processo

torna-se irreversível.

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BALANÇO

A iminência da morte dispara um curioso

processo de reminiscência. O moribundo

revive, em curto espaço de tempo, as

emoções de toda a existência, que se sucedem

em sua mente como um prodigioso filme

com imagens projetadas em velocidade vertiginosa.

É uma espécie de balanço existencial,

um levantamento de débito e crédito na contabilidade

divina, definindo a posição do

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Espírito ao retomar à Espiritualidade, em face

de suas ações boas ou más, considerando-se

que poderão favorecê-lo somente os valores

que "as traças não roem nem os ladrões

roubam", a que se referia Jesus, conquistados

pelo esforço do Bem.

Trata-se de um mecanismo psicológico

automático que pode ser disparado na

intimidade da consciência sem que a morte

seja consumada. São freqüentes os casos

em que o "morto" ressuscita, espontaneamente

ou mediante a mobilização de recursos

variados.

Há médicos que vêm pesquisando o

assunto, particularmente nos Estados Unidos,

onde se destaca o doutor Raymond A.

Moody Júnior, que no livro "Vida Depois da

Vida" descreve experiências variadas de

pessoas declaradas clinicamente mortas.

Vale destacar que esses relatos confirmam

as informações da Doutrina Espírita.

Os entrevistados reportam-se ao "balanço"

de suas existências. Abordam, também, temas

familiares aos espíritas, como: corpo espiritual

ou perispírito; a dificuldade de

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perceber a condição de "morto"; o contato com

benfeitores espirituais e familiares; a facilidade

em "sentir" o que as pessoas estão pensando;

a possibilidade de volitar, com incrível

sensação de leveza; a visão dos despojes

carnais e as impressões extremamente desagradáveis

dos que tentaram o suicídio.

As pesquisas revelaram que tais fenômenos

são freqüentes, envolvendo pacientes

variados, e que estes geralmente silenciam a

respeito, temendo ser julgados mentalmente debilitados.

Em "O Evangelho Segundo o Espiritismo"

Allan Kardec comenta que a universalidade

dos princípios espíritas (concordância

nas manifestações dos Espíritos, obtidas

através de múltiplos médiuns em diversos

países), garante sua autenticidade, já que seria

impossível uma coincidência tão generalizada.

Da mesma forma a autenticidade das

pesquisas do dr. Moody é demonstrada estatisticamente

pelos relatos de centenas de pacientes

que retornaram do Além, abordando

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os mesmos aspectos a que nos referimos,

não obstante professarem diferentes concepções

religiosas, situarem-se em variadas

posições culturais e sociais e residirem em

regiões diversas.

A experiência de reviver a própria

existência em circunstâncias dramáticas pode

representar para o redivivo uma preciosa

advertência, conscientizando-o de que é

preciso investir na própria renovação, a fim (

de não se situar "falido" no Plano Espiritual

quando efetivamente chegar sua hora. '

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DIFICULDADES DO RETORNO

A progressiva debilidade do paciente,

levando-o à inconsciência, representa uma

espécie de anestesia geral para o Espírito

que, com raras exceções, dorme para morrer,

não tomando conhecimento da grande

transição.

Indivíduos equilibrados, com ampla

bagagem de realizações no campo do Bem,

superam a "anestesia da morte", e podem

perfeitamente acompanhar o trabalho dos

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técnicos espirituais. Isso poderá ocasionar-lhes

algum constrangimento, como um paciente

que presenciasse delicada intervenção

cirúrgica em si mesmo, mas lhes favorecerá

a integração na vida espiritual. Consumado

o desligamento situar-se-ão plenamente

conscientes, o que não ocorre com o

homem comum que, dormindo para morrer,

sente-se aturdido ao despertar, empolgado

por impressões da vida material, particularmente

aquelas relacionadas com as circunstâncias

do desencarne.

Companheiros familiarizados com as

manifestações de Espíritos sofredores, em

reuniões mediúnicas, conhecem bem esse

problema. Os comunicantes geralmente

ignoram sua nova condição, queixam-se do

descaso dos familiares, que não lhes dão

atenção, sentindo-se perturbados e aflitos.

Despreparados para a grande transição, não

conseguem libertar-se das experiências da

vida material, situam-se como peixes fora

d'água ou mais exatamente como estranhos

doentes mentais, vivendo num mundo de fantasia,

na intimidade de si mesmos.

A dissipação desse turvamento mental

pede concurso do Tempo. O amparo dos

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benfeitores espirituais e as preces de familiares

e amigos podem apressar o esclarecimento,

mas, fundamentalmente, este estará

subordinado ao seu grau de comprometimento

com as fantasias humanas e à capacidade

de assimilar as novas realidades.

O despreparo para a Morte caracteriza

multidões que regressam todos os dias, sem

a mínima noção do que as espera, após

decênios de indiferença pelos valores mais

nobres. São pessoas que jamais meditaram

sobre o significado da jornada terrestre, de

onde vieram, porque estão no Mundo, qual o

seu destino. Sem a bússola da fé e a bagagem

das boas ações, situam-se perplexas e

confusas.

Nesse aspecto, forçoso reconhecer no

Espiritismo um abençoado curso de iniciação

às realidades além-túmulo. O espírita,

em face das informações amplas e precisas

que recebe, certamente aportará com maior

segurança no continente invisível, sem grandes

problemas para identificar a nova situação,

embora tais benefícios não lhe confiram

o direito de ingresso em comunidades

venturosas. Isso dependerá do que fez e

não do que sabe.

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O "balanço da morte" definirá se temos

condições para "pagar" o ingresso em regiões

alcandoradas com a moeda da virtude

e o espírita certamente será convocado a desembolsar

o "ágio do conhecimento", partindo-se

do princípio lógico: mais se pedirá a

quem mais houver recebido.

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A MELHORA DA MORTE

Diante do agonizante o sentimento

mais forte naqueles que se ligam a ele afetivamente

é o de perda pessoal.

"Meu marido não pode morrer! Ele é o

meu apoio, minha segurança!"

? "Minha esposa querida! Não me deixei

Não poderei viver sem você!"

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"Meu filho, meu filho! Não se vá! Você é

muito jovem! Que será de minha velhice sem

o seu amparo?"

Curiosamente, ninguém pensa no moribundo.

Mesmo os que aceitam a vida além-túmulo

multiplicam-se em vigílias e orações,

recusando admitir a separação. Esse comportamento

ultrapassa os limites da afetividade,

desembocando no velho egoísmo humano,

algo parecido com o presidiário que se

recusa a aceitar a idéia de que seu companheiro

de prisão vai ser libertado.

O exacerbamento da mágoa, em gestos

de inconformação e desespero, gera fios

fluídicos que tecem uma espécie de teia de

retenção, a promover a sustentação artificial

da vida física. Semelhantes vibrações não

evitarão a morte. Apenas a retardarão, submetendo

o desencarnante a uma carga maior

de sofrimentos.

É natural que, diante de sério problema

físico a se abater sobre alguém muito caro ao

nosso coração, experimentemos apreensão

e angústia. Imperioso, porém, que não resvalemos

para a revolta e o desespero, que

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sempre complicam os problemas humanos, principalmente

os relacionados com a morte.

Quando os familiares não aceitam a

perspectiva da separação, formando a indesejável

teia vibratória, os técnicos da Espiritualidade

promovem, com recursos magnéticos,

uma recuperação artificial do paciente

que, "mais prá lá do que prá cá", surpreendentemente

começa a melhorar, recobrando

a lucidez e ensaiando algumas palavras...

Geralmente tal providência é desenvolvida

na madrugada. Exaustos, mas aliviados,

os "retentores" vão repousar, proclamando:

"Graças a Deus! O Senhor ouviu nossas

preces!"

Aproveitando a trégua na vigília de retenção

os benfeitores espirituais aceleram o

processo desencarnatório e iniciam o desligamento.

A morte vem colher mais um passageiro para o Além.

Raros os que consideram a necessidade

de ajudar o desencarnante na traumatizante

transição. Por isso é freqüente a

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utilização desse recurso da Espiritualidade,

afastando aqueles que, além de não ajudar,

atrapalham. Existe até um ditado popular a

respeito do assunto:

"Foi a melhora da morte! Melhorou para

morrer!”

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RECURSO INFALÍVEL

A morte, com raras exceções, é traumatizante.

Afinal, o Espírito deixa um veículo

de carne ao qual está tão intimamente associado

que se lhe afigura, geralmente, parte

indissociável de sua individualidade (ou toda

ela para os materialistas).

Por outro lado, raros estão preparados

para a jornada compulsória, quando deixamos

a acanhada ilhota das percepções físicas

rumo ao glorioso continente das

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realidades espirituais. Impregnados por interesses

e preocupações materiais, os viajores enfrentam

compreensíveis percalços.

Em tal circunstância, tanto o paciente

que enfraquece paulatinamente, quanto os

familiares em dolorosa vigília, podem valer-se

de um recurso infalível: a oração.

Por suas características eminentemente

espiritualizantes, representando um esforço

por superar os condicionamentos da

Terra para uma comunhão com o Céu, ela favorece

uma "viagem" tranqüila para os que

partem. Os que ficam encontram nela um lenitivo

providencial que ameniza a sensação

de perda pessoal, preenchendo o vazio que

se abre em seus corações com a reconfortante

presença de Deus, fonte abençoada de

segurança, equilíbrio e serenidade em todas

as situações.

Todavia, a eficiência da oração está subordinada

a uma condição essencial: o sentimento.

Se simplesmente repetimos palavras,

em fórmulas verbais, caímos num processo

mecânico inócuo. Só o coração consegue

comunicar-se com Deus, dispensando

verbalismo.

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O próprio "Pai Nosso", a sublime

oração ensinada por Jesus, não é nenhum

recurso mágico, cuja eficiência esteja subordinada

à repetição. Trata-se de um roteiro relativo

à nossa atitude na oração, iniciando-se

com a orientação de que devemos estar muitos

confiantes, porque Deus é nosso pai, e termina

ensinando que é preciso vencer o mal

que existe em nós com o combate sistemático

às tentações.

Destaque-se aquele incisivo "seja feita

a vossa vontade, assim na Terra como no

Céu", em que Jesus deixa bem claro que

compete a Deus definir o que é melhor para

nós. Em qualquer circunstância, particularmente

na grande transição, se nutrirmos sentimentos

de desespero e inconformação, sairemos

do santuário da oração tão perturbados

e aflitos como quando entramos.

Quando o desencarnante e seus familiares

controlam as emoções, cultivando, em

prece, sentimentos de confiança e contrição,

os técnicos da Espiritualidade encontram facilidade

para promover o desligamento, sem

traumas maiores para o que parte, sem desequilíbrios

para os que ficam.

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AS DELONGAS DO DESLIGAMENTO

Morte física e desencarne não ocorrem

simultaneamente. O indivíduo morre quando

o coração deixa de funcionar. O Espírito desencarna

quando se completa o desligamento,

o que demanda algumas horas ou alguns

dias.

Basicamente o Espírito permanece ligado

ao corpo enquanto são muito fortes nele

as impressões da existência física.

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Indivíduos materialistas, que fazem da jornada humana

um fim em si, que não cogitam de objetivos

superiores, que cultivam vícios e paixões,

ficam retidos por mais tempo, até que a

impregnação fluídica animalizada de que se

revestem seja reduzida a níveis compatíveis

com o desligamento.

Certamente os benfeitores espirituais

podem fazê-lo de imediato, tão logo se dê o

colapso do corpo. No entanto, não é aconselhável,

porquanto o desencarnante teria dificuldades

maiores para ajustar-se às realidades

espirituais. O que aparentemente sugere

um castigo para o indivíduo que não viveu

existência condizente com os princípios

da moral e da virtude, é apenas manifestação

de misericórdia. Não obstante o constrangimento

e as sensações desagradáveis que

venha a enfrentar, na contemplação de seus

despojes carnais em decomposição, tal circunstância

é menos traumatizante do que o

desligamento extemporâneo.

Há, a respeito da morte, concepções

totalmente distanciadas da realidade. Quando

alguém morre fulminado por um enfarte

violento, costuma-se dizer: ^-,

45

"Que morte maravilhosa! Não sofreu

nada!"

No entanto, é uma morte indesejável.

Falecendo em plena vitalidade, salvo se altamente

espiritualizado, ele terá problemas de

desligamento e adaptação, pois serão muito

fortes nele as impressões e interesses relacionados

com a existência física.

Se a causa da morte é o câncer, após

prolongados sofrimentos, em dores atrozes,

com o paciente definhando lentamente, decompondo-se

em vida, fala-se:

"Que morte horrível! Quanto sofrimento!"

Paradoxalmente, é uma boa morte.

Doença prolongada é tratamento de beleza

para o Espírito. As dores físicas atuam como

inestimável recurso terapêutico, ajudando-o

a superar as ilusões do Mundo, além de depurá-lo

como válvulas de escoamento das

impurezas morais. Destaque-se que o progressivo

agravamento de sua condição torna

o doente mais receptivo aos apelos da religião,

aos benefícios da prece, às meditações

46

sobre o destino humano. Por isso, quando a

morte chega, ele está preparado e até a espera,

sem apegos, sem temores.

Algo semelhante ocorre com as pessoas

que desencarnam em idade avançada,

cumpridos os prazos concedidos pela Providência

Divina, e que mantiveram um comportamento

disciplinado e virtuoso. Nelas a

vida física extingue-se mansamente, como

uma vela que bruxuleia e apaga, inteiramente

gasta, proporcionando-lhes um retomo tranqüilo,

sem maiores percalços.

47

TRAGÉDIAS

Multidões regressam à Espiritualidade,

diariamente, envolvidas em circunstâncias

trágicas: incêndios, desmoronamentos, terremotos,

afogamentos, acidentes aéreos e

automobilísticos...

"Por quê?" - questionam, angustiados

os familiares.

A Doutrina Espírita demonstra que tais

ocorrências estão associadas a experiências

48

evolutivas. Não raro representam o resgate

de dívidas cármicas contraídas com o

exercício da violência no pretérito.

Todos "balançamos" quando nos vemos

às voltas com mortes assim envolvendo

nossos afetos. Muitos, desarvorados, mergulham

em crises de desespero e revolta,

reação compreensível ante o impacto inesperado.

Somente o tempo, a fluir incessante,

no desdobramento dos dias, amenizará suas

mágoas, sugerindo um retorno à normalidade.

A vida continua...

Considere-se, entretanto, que o desencarnado

não pode esperar. Personagem central da tragédia, situa-se perplexo e

confuso.

Embora amparado por benfeitores espirituais,

enfrenta previsíveis dificuldades de

adaptação, sentindo repercutir nele próprio

as emoções dos familiares. Se estes cultivam

reminiscências infelizes, detendo-se nos dolorosos

pormenores do funesto acontecimento,

fatalmente o levam a revivê-lo com

perturbadora insistência. Imaginemos

alguém vitimado num incêndio a reviver o

inferno de chamas sob indução do pensamento

inquieto e atormentado dos que não se conformam...

49

Nas manifestações desses Espíritos há

uma tônica comum: o apelo para que os familiares

retornem à normalidade e retomem

suas atividades, desenvolvendo novos interesses,

particularmente os relacionados com

a prática do Bem, bálsamo divino para as dores

da separação.

No livro "Vida no Além", psicografia de

Francisco Cândido Xavier, o Espírito do jovem

Willian José Guagliardi, desencarnado

juntamente com outros cinqüenta e oito, num

acidente com ônibus escolar que se precipitou

num rio, em São José do Rio Preto, dirige-se

à sua mãe, confortando-a. Dentre outras

considerações, diz:

"Estou presente, rogando à senhora

que me ajude com sua paciência. Tenho sofrido

mais com as lágrimas da senhora do

que mesmo com a libertação do corpo... Isso,

Mamãe, porque a sua dor me prende à recordação

de tudo o que sucedeu e quando a senhora

começa a perguntar como teria sido o

desastre, no silêncio do seu desespero, sinto-me

de novo na asfixia".

Evidente que não vamos cultivar

fleumática tranqüilidade, considerando

50

natural que alguém muito amado parta tragicamente.

Por mais ampla seja nossa compreensão,

sofreremos muito. Talvez não exista

angústia maior. Imperioso, contudo, que

mantenhamos a serenidade, cultivando confiança

em Deus, não por nós apenas, mas,

sobretudo em benefício daquele que partiu.

Mais do que nunca ele precisa de nossa ajuda.

51

FUGA COMPROMETEDORA

Sem dúvida, a mais trágica de todas as

circunstâncias que envolvem a morte, de

conseqüências devastadoras para o desencarnante,

é o suicídio. Longe de enquadrarse

como expiação ou provação, no cumprimento

de desígnios divinos, o auto-aniquilamento

situa-se por desastrada fuga, uma

porta falsa em que o indivíduo, julgando libertar-se

de seus males, precipita-se em situação

muito pior.

52

"O maior sofrimento da Terra não se

compara ao nosso" - dizem, invariavelmente,

suicidas que se manifestam em reuniões mediúnicas.

Tormentos indescritíveis desabam sobre

eles a partir da consumação do gesto lamentável.

Precipitados violentamente na Espiritualidade,

em plena vitalidade física, revivem,

ininterruptamente, por largo tempo, as

dores e emoções dos últimos instantes, confinados

em regiões tenebrosas onde, segundo

a expressão evangélica, "há choro e ranger

de dentes".

Um dos grandes problemas do suicida

é o lesionamento do corpo perispiritual.

Aqueles que morrem de forma violenta, em

circunstâncias alheias à sua vontade, registram

no perispírito marcas e impressões relacionadas

com o tipo de desencarne que sofreram.

São, entretanto, passageiras e tenderão

a desaparecer tão logo ocorra sua plena

reintegração na Vida Espiritual.

O mesmo não ocorre com o suicida,

que exibe na organização perispiritual ferimentos

correspondentes à agressão

53

cometida contra o corpo físico. Se deu um tiro no cérebro

terá grave lesão na região correspondente;

se ingeriu soda cáustica experimentará

extensa ulceração à altura do aparelho

digestivo; se atirou-se diante de um trem exibirá

traumas generalizados.

Tais efeitos, que contribuem em grande

parte para os sofrimentos do suicida, exigem,

geralmente, um contato com nova estrutura

carnal, na experiência reencarnatória, para

serem superados. E fatalmente se refletirão

nela. O tiro no cérebro originará dificuldades

de raciocínio; a soda cáustica implicará em

graves deficiências no aparelho digestivo; o

impacto violento sob as rodas do trem ensejará

complexos quadros neurológicos...

Como ocorre em todos os casos de

morte violenta, o suicida experimentará inevitável

agravamento de seus padecimentos

na medida em que a família mergulhe no desespero

e na inconformação, exacerbados,

não raro, por complexos de culpa.

"Ah! Se tivéssemos agido diferente! Se

lhe déssemos'mais atenção! Se procurássemos

compreendê-lo!"

54

Inútil conjecturar em torno de fato consumado.

Diante de um ferido, em grave e

inesperado desastre, seria contraproducente

estarmos a imaginar que poderia não ter

acontecido se agíssemos diferente. Aconteceu!

Não pode ser mudado! Imperioso manter

o equilíbrio e cuidar do paciente.

O mesmo ocorre com o suicida. Ele

precisa, urgentemente, de auxílio. Indispensável

que reajamos ao desespero e cultivemos

a oração. Este é o bálsamo confortador,

o alento novo para seus padecimentos

no Além, o grande recurso capaz de reerguêlo.

E se nos parece desalentador atentar

às prolongadas e penosas experiências do

companheiro que partiu voluntariamente,

consideremos que seus sofrimentos não serão

inúteis. Representarão para ele um severo

aprendizado, amadurecendo-o e habilitando-o

a respeitar a Vida e a voltar-se para Deus.

55

MORTE DE CRIANÇAS

O desencarne na infância, mesmo em

circunstâncias trágicas, é bem mais tranqüilo,

porquanto nessa fase o Espírito permanece

em estado de dormência e desperta lentamente

para a existência terrestre. Somente a

partir da adolescência é que entrará na plena

posse de suas faculdades.

Alheio às contingências humanas ele

se exime de envolvimento com vícios e paixões

que tanto comprometem a experiência

56

física e dificultam um retorno equilibrado à

Vida Espiritual.

O problema maior é a teia de retenção,

formada com intensidade, porquanto a morte

de uma criança provoca grande comoção,

até mesmo em pessoas não ligadas a ela diretamente.

Símbolo da pureza e da inocência,

alegria do presente e promessa para o

futuro, o pequeno ser resume as esperanças

dos adultos que se recusam a encarar a

perspectiva de uma separação.

Em favor do desencarnante é preciso

imitar atitudes como a de Amaro, personagem

do livro "Entre a Terra e o Céu", do espírito

André Luiz, psicografia de Francisco

Cândido Xavier, diante do filho de um ano,

desenganado pelo médico, a avizinhar-se da

morte. Na madrugada, enquanto outros familiares

dormem, ele permanece em vigília, meditando.

Descreve o autor:

"A aurora começava a refletir-se no firmamento

em largas riscas rubras, quando o

ferroviário abandonou a meditação, aproximando-se

do filhinho quase morto.

57

"Num gesto comovente de fé, retirou da

parede velho crucifixo de madeira e colocouo

à cabeceira do agonizante. Em seguida,

sentou-se no leito e acomodou o menino ao

colo com especial ternura. Amparado espiritualmente

por Odila*, que o enlaçava, demorou

o olhar sobre a imagem do Cristo Crucificado

e orou em alta voz:

"- Divino Jesus, compadece-te de nossas

fraquezas!... Tenho meu espírito frágil para

lidar com a morte! Dá-nos força e compreensão...

Nossos filhos te pertencem, mas

como nos dói restituí-los, quando a tua vontade

no-los reclama de volta!...

"O pranto embargava-lhe a voz, mas o

pai sofredor, demonstrando a sua imperiosa

necessidade de oração, prosseguiu:

"- Se é de teu desígnio que o nosso filhinho

parta, Senhor, recebe-o em teus

braços de amor e luz! Concede-nos, porém, a

precisa coragem para suportar, valorosamente,

a nossa cruz de saudade e dor!... Dá-nos

resignação, fé, esperança!... Auxilia-nos

a entender-te os propósitos e que a tua vontade

se cumpra hoje e sempre!...

*Amaro é casado em segundas núpcias. Odila

é a primeira esposa, desencarnada.

58

"Jactos de safirina claridade escapavam-lhe

do peito, envolvendo a criança, que,

pouco a pouco, adormeceu.

"Júlio afastou-se do corpo de carne,

abrigando-se nos braços de Odila, à maneira

de um órfão que busca tépido ninho de carícias."

A atitude fervorosa de Amaro, sua profunda

confiança em Jesus, sustenta-lhe o

equilíbrio e favorece o retorno de Júlio, o filho

muito amado, à pátria espiritual, conforme

estava previsto.

59

PORQUE MORREM AS FLORES

Não há lugar para o acaso na existência

humana. Deus não é um jogador de dados

a distribuir alegria e tristeza, felicidade e infelicidade,

saúde e enfermidade, vida e morte,

aleatoriamente. Existem leis instituídas pelo

Criador que disciplinam a evolução de Suas

criaturas, oferecendo-lhes experiências

compatíveis com suas necessidades.

Uma delas é a Reencarnação, a determinar

que vivamos múltiplas existências na

60

carne, quais alunos internados num educandário,

periodicamente, para aprendizado

específico.

O conhecimento reencarnatório nos

permite desvendar os intrincados problemas

do Destino. Deus sabe o que faz quando

alguém retorna à Espiritualidade em plena

floração infantil.

Há suicidas que reencarnam para jornada

breve. Sua frustração, após longos e

trabalhosos preparativos para o mergulho na

carne, os ajudará a valorizar a existência humana

e a superar a tendência de fugir de

seus problemas com o auto-aniquilamento.

Ao mesmo tempo, o contato com a matéria representará

um benéfico tratamento para os

desajustes perispirituais provocados pelo

tresloucado gesto. Crianças portadoras de

graves problemas congênitos, que culminam

com a desencarnação, enquadram-se perfeitamente

nessa condição.

Poderão, se oportuno, reencarnar novamente

na mesma família, passado algum

tempo, em melhores condições de saúde e

com mais ampla disposição para enfrentar as

61

provações da Terra. Não raro, o filho que nasce

após a morte de um irmão revela idêntico

padrão de comportamento, com as mesmas

reações e tendências.

"É igualzinho ao irmão que faleceu!" comentam

os familiares.

Igualzinho, não! É ele próprio de retorno

para novo aprendizado...

Há, também, Espíritos evoluídos que

reencarnam com o propósito de despertar

impulsos de espiritualidade em velhos

afeiçoados, seus pais e irmãos, ajudando-os

a superar o imediatismo da vida terrestre.

Situam-se por crianças adoráveis, em

face de sua posição evolutiva, extremamente

simpáticas, inteligentes e amorosas. Os pais

consagram-lhes extremado afeto, elegendo-as

como principal motivação existencial. Sua

desencarnação deixa-os perplexos, traumatizados.

Todavia, na medida em que emergem

da lassidão e do desespero, experimentam

abençoado desencanto das futilidades humanas

e sentem o despertar de insuspeitada

62

vocação para a religiosidade, no que são estimulados

pelos próprios filhos que, invisíveis

ao seu olhar, falam-lhes na intimidade do coração,

na sintonia da saudade.

Os que se debruçam sobre o esquife

de uma criança muito amada compreenderão

um dia que a separação de hoje faz parte

de um programa de maturação espiritual que

lhes ensejará uma união mais íntima, uma felicidade

mais ampla e duradoura no glorioso

reencontro que inelutavelmente ocorrerá.

63

ABORTO

Após a fecundação do óvulo pelo espermatozóide

o Espírito reencarnante é ligado

ao embrião, constituindo um ser humano

que habitará o ventre materno por nove meses,

protegido em sua fragilidade até que

possa enfrentar o mundo exterior. O aborto

situa-se, assim, como uma desencarnação.

Se natural, quando o organismo materno

não consegue sustentar o desenvolvimento

da criança, configura uma provação

64

relacionada com infrações às leis divinas, tanto

para os genitores, que experimentam a frustração

do anseio de paternidade (acresçam-se

na mulher os sofrimentos e incômodos decorrentes

da interrupção da gravidez), quanto

para o reencarnante, que vê malogrado

seu anseio de retorno à carne.

Já o aborto criminoso configura um crime

hediondo, nem sempre passível de punição

pela justiça humana (em alguns países

a legislação faculta à mulher o direito de

arrancar o filho de suas entranhas, matando-o),

mas inexoravelmente sujeito às sanções

da Justiça Divina, a atingir não apenas a gestante,

mas também os que direta ou indiretamente

envolvem-se com ele (familiares que o

sugerem e profissionais que o executam).

A mulher que assassina o filho indefeso

na intimidade de si mesma, sob a alegação

de que é dona de seu corpo, usa um sofisma

materialista. Nosso corpo é um empréstimo

de Deus para a jornada humana. Muito mais

que direitos temos deveres vinculados ao

seu uso. O primeiro é o de preservá-lo, utilizando-o

disciplinadamente, com consciência

de suas necessidades. O segundo é o de

respeitar a vida gerada dentro dele, em

65

obediência aos desígnios divinos, porquanto ao

Criador compete decidir sobre os destinos

da criatura.

A literatura espírita é pródiga em exemplos

sobre as conseqüências funestas do

aborto delituoso, que provoca na mulher graves

desajustes perispirituais, a refletirem-se

no corpo físico, na existência atual ou futura,

na forma de câncer, esterilidade, infecções

renitentes, frigidez...

Problemas dessa natureza, freqüentes

na atualidade, demonstram com propriedade

como está disseminada essa prática criminosa.

Muitas mulheres chegam ao cúmulo de

usar habitualmente substâncias químicas

abortivas sempre que ocorre atraso menstrual,

sem cogitar se estão grávidas. Semeiam

aflições que fatalmente colherão...

No aborto natural o Espírito retorna à

Espiritualidade sem maiores problemas. Bem

tênues são os laços que o prendem ao corpo,

não apenas por se tratar de início do processo

reencarnatório, mas também em face do

mal determinante do desencarne, que o situa

como paciente terminal.

Consumada a desencarnação, o Espírito

poderá reassumir sua personalidade

66

anterior, voltando ao que era, com acréscimo

da breve experiência. Se não detiver suficiente

maturidade mental para isso, permanecerá

na Espiritualidade como um recém-nascido,

à espera do concurso do tempo,

que o habilite a retomar a consciência de si

mesmo, desenvolvendo-se como uma

criança, ou preparando-se para novo mergulho

na carne.

No aborto criminoso a situação é mais

complexa. O Espírito sofre o trauma provocado

pela morte violenta, embora amenizado

pelo fato de não estar comprometido com os

enganos do mundo. Tratando-se de algo não

programado, fruto da irresponsabilidade dos

pais, sua frustração será maior.

A readaptação será semelhante à do

Espírito vitimado pelo aborto natural. Considere-se,

entretanto, que, se moralmente imaturo,

sua expulsão poderá provocar nele

acirrado rancor contra os pais, transformando-o

em perseguidor implacável daqueles

que recusaram conceder-lhe a oportunidade

do recomeço.

Muitos males que afligem a mulher,

após o crime do aborto, prolongando-se

indefinidamente, não obstante os recursos

da Medicina, nascem dessa influência.

67

CONSCIÊNCIA DO ERRO

O conhecimento espírita tem evitado

que muitas mulheres comprometam-se no

aborto provocado, esse "assassinato intrauterino",

mas constitui, também, um tormento

para aquelas que o praticaram. Medo, remorso,

angústia, depressão, são algumas de

suas reações. Naturalmente isso ocorre sempre

que somos informados do que nos espera

em face de um comportamento desajustado.

68

No entanto, equivocados estão os que

pretendem ver na Doutrina Espírita a reedição

de doutrinas escatológicas fustigantes

e anatematizadoras.

Estribando-se na lógica e no raciocínio

e exaltando a liberdade de consciência, o Espiritismo

não condena - esclarece; não

ameaça - conscientiza. E muito mais que revelar

o mal que há no homem, tem por objetivo

ajudá-lo a encontrar o Bem.

Espíritos imaturos, comprometidos

com leviandades e inconsequências, somos

todos, ou não estaríamos na Terra, planeta de

expiação e provas. Pesa sobre nossos ombros

o passado delituoso, impondo-nos experiências

dolorosas. Nem por isso devemos

atravessar a existência cultivando complexos

de culpa.

O que distingue a mulher que praticou

o aborto é apenas uma localização no tempo.

Ela se comprometeu hoje, tanto quanto todos

nos comprometemos com males talvez mais

graves, em vidas anteriores.

69

E se muitos estão resgatando seus crimes

nas grades do sofrimento, com cobrança

rigorosa da Justiça Divina, simplesmente

porque nada fizeram a respeito, há

que se considerar a possibilidade de nos redimirmos

com o exercício do Bem.

"Misericórdia quero e não sacrifício" diz

Jesus, lembrando o profeta Oséias (Mateus,

9;13), a demonstrar que não precisamos

nos flagelar ou esperar que a Lei Divina

nos flagele para resgate de débitos. O exercício

da misericórdia, no empenho do Bem,

oferece-nos opção mais tranqüila.

A mulher que cometeu o crime do aborto

pode perfeitamente renovar seu destino

dispondo-se a trabalhar em favor da infância

desvalida, em iniciativas como adoção de filhos,

socorro a crianças carentes, trabalho

voluntário em creches, berçários ou orfanatos...

Seu empenho nesse sentido proporcionar-lhe-á

preciosa iniciação nas bênçãos

da Caridade e do Amor, habilitando-a à renovação

e ao reajuste, sem traumas e sem tormentos.

70

SOLUÇÃO INFELIZ

O termo eutanásia, cujo significado é

"morte feliz", foi criado pelo filósofo Francis

Bacon. Ele argumentava que o médico tem a

responsabilidade de aliviar doenças e dores,

não somente com a cura do mal, mas também

proporcionando ao doente uma morte calma

e fácil, se o problema for irreversível.

Embora universalmente considerada

homicídio, a eutanásia conta com a benevolência

da justiça quando aplicada em

71

pacientes terminais atormentados por dores e

aflições. São raríssimos os processos contra

pessoas envolvidas nesse crime.

Em alguns países cogita-se de considerá-la

simples ato médico com o consentimento

do próprio doente ou de familiares, no

piedoso propósito de abreviar seus padecimentos.

As religiões em geral manifestam-se

contrárias à eutanásia, partindo de dois

princípios fundamentais:

Primeiro: Compete a Deus, senhor de

nossos destinos, promover nosso retorno à

Espiritualidade. Na Tábua dos Dez Mandamentos

Divinos, recebida por Moisés no

Monte Sinai, onde estão os fundamentos da

justiça humana, há a recomendação inequívoca:

"Não matarás".

Segundo: Ninguém pode afirmar com

absoluta segurança que um paciente está

irremediavelmente condenado. A literatura

médica é pródiga em exemplos de pacientes

em estado desesperador que se recuperam.'

72

O Espiritismo ratifica tais considerações

e nos permite ir além, demonstrando

que a eutanásia não só interrompe a depuração

do Espírito encarnado pela enfermidade,

como lhe impõe sérias dificuldades no retomo

ao Plano Espiritual.

André Luiz aborda esse assunto no livro

"Obreiros da Vida Eterna", psicografia de

Francisco Cândido Xavier, ao descrever o

desencarne de Cavalcante, dedicado servidor

do Bem, empolgado por injustificáveis temores

da morte. Não obstante seus méritos e

o amplo apoio dos amigos espirituais que o

assistiam, ele simplesmente recusava-se a

morrer, apegando-se à vida física com todas

as forças de sua alma.

com o moribundo inconsciente e sem

nenhum familiar a consultar, o médico decide,

arbitrariamente, abreviar seus padecimentos,

aplicando-lhe dose letal de anestésico.

Diz André Luiz:

"Em poucos instantes, o moribundo calou-se.

Inteiricaram-se-lhe os membros vagarosamente.

Imobilizou-se a máscara facial.

Fizeram-se vítreos os olhos móveis.

73

"Cavalcante, para o espectador comum,

estava morto. Não para nós, entretanto.

A personalidade desencarnante estava presa

ao corpo inerte, em plena inconsciência e

incapaz de qualquer reação."

Jerônimo, o mentor espiritual que

acompanha André Luiz, explica:

"A carga fulminante da medicação de

descanso, por atuar diretamente em todo o

sistema nervoso, interessa os centros do

organismo perispiritual. Cavalcante permanece,

agora, colado a trilhões de células neutralizadas,

dormentes, invadido, ele mesmo,

de estranho torpor que o impossibilita de dar

qualquer resposta ao nosso esforço. Provavelmente

só poderemos libertá-lo depois de

decorridas mais de doze horas".

Finalizando, o autor acentua: ; '

"E, conforme a primeira suposição de

Jerônimo, somente nos foi possível a libertação

do recém-desencarnado quando já

haviam transcorrido vinte horas, após serviço

muito laborioso para nós. Ainda assim, Cavalcante

não se retirou em condições favoráveis

e animadoras. Apático, sonolento,

74

desmemoriado, foi por nós conduzido ao asilo de

Fabiano*, demonstrando necessitar de maiores

cuidados."

Aplicada desde as culturas mais antigas,

a eutanásia, longe de situar-se por "morte

feliz" é uma solução infeliz para o paciente,

além de se constituir em lamentável desrespeito

aos desígnios de Deus.

*Instituição socorrista do Plano Espiritual.

75

VELHO TRAUMA

Recomendações:

- Só me enterrem quando começar a

cheirar mal!...

- Não me sepultem. Quero ser cremado!...

- Cumpram rigorosamente o prazo de

vinte e quatro horas para o enterro. Não importam

as circunstâncias de minha morte!...

76

Em palestras sobre a morte, a pergunta

freqüente:

- Se eu passar por um transe letárgico

e despertar no túmulo, o que acontecerá comigo?

A resposta jocosa: ? ^*

- Nada de especial. Simplesmente

morrerá em poucos minutos, por falta de

oxigênio.

* * *

Incrível a preocupação das pessoas

com a possibilidade de serem enterradas vivas,

alimentada por velhas lendas de cadáveres

estranhamente virados no esquife

quando este é aberto, meses ou anos após a

inumação.

Talvez fatos dessa natureza tenham

ocorrido nos séculos passados, particularmente

por ocasião de epidemias ou de batalhas,

onde, diante da quantidade de corpos a

serem sepultados, passava-se por cima

77

desse elementar cuidado de verificar se o indivíduo

estava realmente morto. Nossos ancestrais

terão confundido, não raro, a letargia

com a morte, condenando as vítimas de sua

ignorância a um desencarne por asfixia.

Na atualidade é praticamente impossível

enterrar alguém vivo, desde que a família

peça a presença de um médico (o que no

Brasil é imposto por lei, já que não se pode

providenciar o sepultamento sem o atestado

de óbito firmado por profissional da Medicina

e este não pode fazê-lo sem o competente

exame do defunto).

O médico constatará facilmente se o

candidato ao atestado está realmente morto

ou em estado letárgico. Na letargia não cessam

as funções vitais. O organismo permanece

em funcionamento, mas de forma latente,

imperceptível à observação superficial.

com o estetoscópio ele verificará tranqüilamente

se há circulação sangüínea, sustentada

pelos batimentos cardíacos. Se

ocorre uma parada cardíaca a morte consuma-se

em quatro minutos. O exame oftálmico

também é conclusivo. Verificando-se a

78

midríase, uma ampla dilatação da pupila,

sem resposta aos estímulos luminosos, o falecimento

está consumado.

Parece-nos que os temores a respeito

do assunto têm origem em problemas de

desligamento, já que é muito comum o Espírito

permanecer preso ao corpo por algumas

horas ou dias, após o sepultamento, por despreparo

para a morte.

Considerando que certamente todos já

passamos por essa desagradável experiência

em vidas anteriores, guardamos nos refolhos

da consciência traumas que se manifestam

no temor de sermos enterrados vivos.

A compreensão dos mecanismos da

morte, aliada à observância dos compromissos

da vida, ajudar-nos-ão a superar essa

incômoda herança de nossas desastradas

experiências do passado.

79

CHEGOU A HORA?

"Só peru morre na véspera!" - diz o

adágio popular, fazendo referência ao fato de

que ninguém desencarna antes que chegue

seu dia.

Na realidade ocorre o contrário. Poucos

cumprem integralmente o tempo que

lhes foi concedido. com raras exceções, o

homem terrestre atravessa a existência pressionando

a máquina física, a comprometer

sua estabilidade.

80

Destruímos o corpo de fora para dentro

com os vícios, a intemperança, a indisciplina...

O álcool, o fumo, o tóxico, os excessos

alimentares, tanto quanto a ausência de

exercícios, de cuidados de higiene e de repouso

adequado, minam a resistência orgânica

ao longo dos anos, abreviando a vida física.

Destruímos o corpo de dentro para fora

com o cultivo de pensamentos negativos,

idéias infelizes, sentimentos desequilibrantes,

envolvendo ciúme, inveja, pessimismo,

ódio, rancor, revolta... Há indivíduos tão habituados

a reagir com irritação e agressividade,

sempre que contrariados, que um dia "implodem"

o coração em enfarte fulminante.

Outros "afogam" o sistema imunológico num

dilúvio de mágoas e ressentimentos, depressões

e angústias, favorecendo a evolução de

tumores cancerígenos.

Tais circunstâncias fatalmente implicarão

em problemas de adaptação, como ocorre

com os suicidas. Embora a situação dos

que desencarnam prematuramente em virtude

de intemperança mental e física, seja menos

constrangedora, já que não pretendiam a

morte, ainda assim responderão pelos

81

prejuízos causados à máquina física, que repercutirão

no perispírito, impondo-lhes penosas

impressões.

Como sempre, tais desajustes refletirse-ão

no novo corpo, quando tomarem à experiência

reencarnatória, originando deficiências

e males variados que atuarão por

indispensáveis recursos de reajuste.

Não somos proprietários de nosso corpo.

Usamo-lo em caráter precário, como

alguém que alugasse um automóvel para longa

viagem. Há um programa a ser observado,

incluindo roteiro, percurso, duração, manutenção.

Se abusamos dele, acelerando-o

com indisciplinas e tensões, envenenando-o

com vícios, esquecendo os lubrificantes do

otimismo e do bom ânimo, fatalmente vernos-emos

às voltas com graves problemas

mecânicos. Além de interromper a viagem,

prejudicando o que fora planejado, seremos

chamados a prestar contas dos danos provocados

num veículo que não é nosso.

No futuro, em nova "viagem", provavelmente

teremos um "calhambeque" com limitações

variadas, a exigir maior soma de cuidados,

impondo-nos benéficas disciplinas.

82

JOGO PERIGOSO

Há um jogo sinistro, de humor negro,

atribuído aos soviéticos, denominado "roleta

russa". Sorteia-se o primeiro participante,

que introduz uma bala num revólver. Em seguida

gira aleatoriamente o tambor, encosta

o cano nas têmporas e aciona o gatilho. Se

ouvir um clique respirará aliviado e passará a

arma ao parceiro. Este repetirá o ritual. Assim

farão ambos, sucessivamente, até que um

deles estoure os miolos.

83

Variante brasileira é a "roleta paulista",

praticada por jovens em São Paulo, há alguns

decênios. Consistia em cruzarem vias preferenciais

em alta velocidade, sem respeitar sinais

de trânsito, montados em suas possantes

motos. Ao sabor da sorte o motoqueiro

poderia chegar incólume do outro lado ou

arrebentar-se de encontro a um veículo.

Mortes dessa natureza não podem ser

atribuídas à fatalidade. Tanto quanto os que

pressionam o corpo com suas intemperanças,

estes cultores da aventura regressam

prematuramente à Espiritualidade, expulsos

do próprio corpo, após destruí-lo com

sua inconsequência. São suicidas inconscientes.

Nunca pararam para pensar que

acabariam se matando e que responderiam

por isso.

Algo semelhante ocorre com milhares

de pessoas, no mundo inteiro, que se espatifam

nas estradas de rodagem, em acidentes

fatais. Embora muitas dessas tragédias sejam

cármicas, representando o resgate de

velhos débitos, há aquelas que não estavam

programadas. Aconteceram por imprudência.

84

Em qualquer setor de atividades há leis

humanas e divinas a serem observadas. Nas

estradas as primeiras estabelecem limites de

velocidade, faixas de trânsito, sinalização, locais

de conversão, trechos para ultrapassagem.

As segundas orientam o respeito à Vida,

seja nossa ou do semelhante.

Sempre que deixamos de cumpri-las

candidatamo-nos a acontecimentos funestos

que complicam a existência, mormente

quando envolvemos outras pessoas.

Somos artífices de nosso destino e o

fazemos a curto, médio e longo prazo, no dia-dia,

no desdobramento de nossas ações.

Num momento de imprudência podemos

complicar a vida física ou deixá-la antes do tempo.

Evidentemente tudo isso representa

experiência, num planeta de expiação e provas

como a Terra, onde a Sabedoria Divina

harmoniza os eventos e aproveita até nossa

inconsequência para nos ensinar, porquanto

sempre colhemos os frutos dela, aprendendo

o que devemos ou não fazer.

85

No entanto, poderíamos aprender de

forma mais suave, com prudência, orando e

vigiando, segundo a expressão evangélica.

Os que não o fazem jogam uma "roleta existencial",

candidatando-se a problemas que

poderiam ser evitados e a sofrimentos não

programados.

86

VELÓRIO

Quando comparecemos a um velório

cumprimos sagrado dever de solidariedade,

oferecendo conforto à família. Infelizmente,

tendemos a fazê-lo pela metade, com a presença

física, ignorando o que poderíamos

definir por compostura espiritual, a exprimirse

no respeito pelo ambiente e no empenho

de ajudar o morto.

Superada a longa fase das carpideiras,

em que obrigatoriamente a presença da

87

morte era encarada como algo terrível a inspirar

compulsórios sentimentos de dor, com a participação

de lágrimas abundantes, fomos parar

no extremo oposto em que, excetuados

os familiares, os circunstantes parecem estar

em oportuna reunião social, onde velhos amigos

se reencontram, com o ensejo de "pôr a

conversa em dia". Contam-se piadas, fala-se

de futebol, política, sexo, modas... Ninguém

se dá ao trabalho sequer de reduzir o volume

da voz, numa zoeira incrível, principalmente

ao aproximar-se o horário do sepultamento,

quando o recinto acolhe maior número de

pessoas.

O falecido é sempre lembrado, até com

palavras elogiosas (em princípio todo morto é

bom, conforme velha tradição humana), mas

fatalmente as reminiscências desembocam

em aspectos negativos de seu comportamento,

gerando chistes e fofocas.

Imaginemos a situação desconfortante

do Espírito, ainda ligado ao corpo, mergulhado

num oceano de vibrações heterogêneas,

"contribuição" lamentável de pessoas que

comparecem em nome da amizade, mas

agem como indisciplinados espectadores a

88

dificultar a tarefa de diligente equipe de socorro

no esforço por retirar um ferido dos escombros

de uma casa que desabou...

Preso à residência temporária transformada

em ruína física pela morte, o desencarnante,

em estado de inconsciência, recebe o

impacto dessas vibrações desrespeitosas e

desajustantes que o atingem penosamente,

particularmente as de caráter pessoal. Como

se vivesse terrível pesadelo ele quer despertar,

luta por readquirir o domínio do corpo,

quedando-se angustiado e aflito.

Num velório concorrido, com expressivo

acompanhamento ao túmulo, comenta-se:

"Que belo enterro! Quanta gente!"

No entanto, nem sempre o que nos parece

agradável é bom, principalmente quando

confrontamos a realidade física com a espiritual.

Quanto maior o número de pessoas,

mais heterogêneas as conversas, mais carregado

o ambiente, maior o impacto sobre o

falecido.

Há algum tempo estive num hospital

providenciando o sepultamento de um

89

indigente. Acertada a documentação necessária,

o morto partiu para o cemitério no carro

fúnebre, sem nenhum acompanhamento. Eu

próprio não pude fazê-lo em virtude de obrigações

profissionais.

"Que tristeza! Velório vazio! Enterro solitário!"

Espiritualmente, melhor assim. Não havia

ninguém para atrapalhar e os benfeitores

espirituais puderam realizar mais tranqüilamente

sua tarefa, libertando o prisioneiro de

acanhada prisão de carne para reconduzi-lo

aos gloriosos horizontes espirituais. ,

90

IDEAL

Comparecemos, certa feita, ao velório

de um companheiro de Doutrina. Os familiares,

espíritas também, perfeitamente conscientes

dos problemas relacionados com o

desligamento, ofereceram-lhe inestimável

apoio e edificante exemplo de equilíbrio e

compostura que sensibilizou muita gente.

Não havia nenhum aparato fúnebre.

Apenas flores, muitas flores e música suave,

convidando à meditação. Viúva e filhos

91

recebiam as condolências com serenidade, vertendo

lágrimas discretas, amenizando o transe

de amargura com uma perfeita conformação

aos Desígnios Divinos. Pedia-se silêncio

e oração.

Por duas ou três vezes, no desdobramento

das horas, eram lidos, em voz pausada,

textos espíritas relacionados com a morte,

destacando a situação do Espírito ainda ligado

ao corpo, alertando os presentes de

suas responsabilidades diante de alguém

que, no limiar da Vida Espiritual, ave prestes a

deixar a gaiola que a aprisiona, tem as asas

ainda frágeis e compreensíveis inibições,

problemas que podem ser agravados ou minimizados

pelos circunstantes. «

Antes que fosse cerrada a urna mortuária,

no horário aprazado, alguém falou

brevemente sobre o significado da morte,

indevidamente situada como o fim da vida,

quando é apenas um desdobramento dela,

em horizontes mais amplos, inacessíveis ao

olhar humano, destacando curiosa contradição:

92

Na dimensão física a sensação de perda

pessoal, a atmosfera de tristeza, a dolorida saudade...

Na dimensão espiritual a alegria de familiares

e amigos, antecipando o reencontro feliz...

Em seguida o expositor convidou à

oração, dirigindo-se a Jesus, situando-o por

divino intermediário do carinho e da solicitude

de todos em favor do passageiro da Eternidade,

desejando-lhe muita paz e um feliz

regresso à Pátria Espiritual.

Quem conhece os problemas que

envolvem o desencarne tem o indeclinável

dever de contribuir para que os velórios

transformem-se em ambientes de muito respeito

e compostura.

Podemos fazê-lo a partir de nosso próprio

exemplo. Sejamos comedidos. Cultivemos

o silêncio, conversando, se necessário,

em voz baixa, de forma edificante. Falemos

do morto com discrição, evitando pressionálo

com lembranças e emoções passíveis de

perturbá-lo, principalmente se foram trágicas

93

as circunstâncias de seu falecimento. E oremos

muito em seu benefício...

Se não conseguirmos manter semelhante

comportamento, melhor que nos retiremos,

evitando engrossar o barulhento concerto

de vozes e vibrações desrespeitosas

que tanto atrapalham o morto.

94

EM FAVOR DELE*

Amigo.

Se cultivas um princípio religioso, sabes

que a morte não é o fim. O Espírito eterno,

com os potenciais de inteligência e sentimento

que lhe definem a individualidade,

simplesmente deixa o cárcere de carne, qual

borboleta livre do casulo, rumo à amplidão.

*Distribuímos esta mensagem nos velórios de

Bauru, com boa receptividade. Tendo em vista

a heterogeneidade de crenças das pessoas

presentes, evitamos alusões mais claras

aos problemas de desligamento.

95

Raros, entretanto, estão preparados

para a grandiosa jornada. Poucos exercitam

asas de virtude e desprendimento.

Natural, portanto, que o "morto" experimente

dificuldades de adaptação à realidade

espiritual, principalmente quando não conta

com a cooperação daqueles que comparecem

ao velório, no arrastar das horas que

precedem o sepultamento.

O burburinho das conversas vazias e

dos comentários menos edificantes, bem como

os desvarios da inconformação e o desequilíbrio

da emoção, repercutem em sua

consciência, impondo-lhe penosas impressões.

Se é alguém muito querido ao teu coração,

considera que ele precisa de tua coragem

e de tua confiança em Deus. Se não

aceitas a separação, questionando os Desígnios

Divinos, teu desespero o atinge, inclemente,

qual devastador vendaval de angústias-

Se é o amigo que admiras, por quem

nutres especial consideração, rende-lhe a

homenagem do silêncio, respeitando a solene

transição que lhe define novos rumos...

Se a tua presença inspira-se em deveres

de solidariedade, oferece-lhe, na intimidade

do coração, a caridade da prece singela

e espontânea, sustentando-lhe o ânimo.

Lembra-te de que um dia também estarás

de pés juntos, deitado numa urna mortuária

e, ainda preso às impressões da vida

física, desejarás, ardentemente, que te respeitem

a memória e não conturbem teu desligamento,

amparando-te com os valores do

silêncio e da oração, da serenidade e da

compreensão, a fim de que atravesses com

segurança os umbrais da Vida Eterna...

97

A VESTE NO GUARDA-ROUPA

As cenas mais fortes dos filmes de horror,

aquelas "de arrepiar", mostram, geralmente,

urnas funerárias e cadáveres.

Os cineastas que exploram o medo

mórbido e atávico da criatura humana em relação

à morte, para atender os que cultivam o

insólito prazer de levar sustos, ver-se-ão na

contingência de escolher outros temas, na

proporção em que compreendermos que o

caixão fúnebre é apenas uma caixa de

98

madeira forrada de pano e que o cadáver nada

mais é que a vestimenta carnal de alguém

que, após o estágio terrestre, regressou ao

mundo de origem - o Plano Espiritual.

Seria ridículo sentir arrepios ao contemplar

um guarda-roupa ou, dentro dele, o

traje de um familiar ausente. No entanto, é

exatamente isso que ocorre com muita gente

em relação à morte. Conhecemos pessoas

que, sistematicamente, recusam-se comparecer

a velórios, refratárias a contatos com

caixões e defuntos, mesmo quando se trate

de familiares, dominadas por indefiníveis temores.

Provavelmente têm traumas relacionados

com ocorrências trágicas no pretérito.

Para a grande maioria, entretanto, o

problema tem origem na forma inadequada

de encarar a grande transição, principalmente

por um defeito de formação na idade infantil.

Lembro-me de que nos meus verdes

anos, várias vezes fui instado a beijar familiares

mortos, o que fazia com constrangimento,

avesso ao contato de meus lábios com a face

fria, descorada e rígida de alguém que eu conhecera

pleno de vida, com quem convivera

99

e que agora quedava-se, inerte, solene, sombrio...

E me deixava contagiar pelas lágrimas

de desespero e doridas lamentações dos

menos comedidos, sedimentando em minha

cabeça a idéia de que a morte é algo de terrível

e apavorante, uma infeliz imagem que somente

na idade adulta, com o conhecimento

espírita, consegui superar.

É preciso muito cuidado com as

crianças, habituando-as à concepção de

que somos seres espirituais eternos, usando

uma veste de carne que um dia deixaremos,

assim como se abandona um traje desgastado,

após determinado tempo de uso.

É desta forma que o corpo sem vida deve

ser mostrado à criança, quando se disponha

a vê-lo, explicando-lhe, em imagens singelas,

de acordo com seu entendimento, que

o vovô, a titia, o papai ou qualquer familiar desencarnado,

foi morar em outro lugar, onde

terá roupa nova e bem melhor.

Igualmente importante é o exemplo de

serenidade e equilíbrio dos adultos, oferecendo

aos pequenos uma visão mais adequada

da morte, situando-a como a separação

transitória de alguém que não morreu.

Apenas partiu.

100

AVISOS DO ALÉM

O Doutor Flávio Pinheiro, dedicado ífiél

médico espírita de Ibitinga, procurou-me.

- Richard, vim convidá-lo para um "ofício fúnebre".

- Quero que "encomende minhalma"

pronunciando oração antes do sepultamento.

E peça ao pessoal para não me perturbar

com lamentações e tristezas.

101

- Que é isso, Doutor! O senhor não morrerá

tão cedo! Tem muitas dívidas a resgatar!...

- Sim, meu caro amigo, sou um grande

pecador. Só que vou desencarnar assim

mesmo. Devo submeter-me a delicada e inadiável

cirurgia cardíaca, em São Paulo e tenho

certeza de que estou de partida para a

Espiritualidade.

Embora censurando seu pessimismo,

concordei em atender à insistente solicitação.

Alguns dias depois fui convocado ao

cumprimento da promessa. O Doutor Flávio

Pinheiro falecera em plena cirurgia.

O casamento seria simples, sem festa.

Apenas a presença de familiares e poucos

amigos. Dentre estes a jovem noiva fazia

questão de um muito querido: Caetano Aielo,

velho lidador espírita de Bauru.

102

- Quanto tempo falta? - indagou o convidado.

> - Três meses. ;«

- Ah! Então não será possível...

- Vai fazer desfeita?! Brigo com o senhor!

Sua presença é indispensável! Cancele

outros compromissos!

- Este compromisso não posso cancelar,

minha filha. O "pessoal lá de cima" vem

me intuindo que em breve partirei...

Dois meses depois Caetano Aielo, que

não tinha nenhum problema grave de saúde,

adoeceu e, em poucos dias, faleceu.

Temos aqui as famosas premonições.

O indivíduo experimenta forte impressão

quanto à iminência de um acontecimento

(primeiro caso), ou sente-se informado a respeito

dele (segundo caso).

Assim como muitos animais possuem

determinados mecanismos que lhes

103

permitem captar a proximidade de uma tempestade

ou de um tremor de terra, antes que se manifeste,

há pessoas dotadas de sensibilidade

especial para prever ocorrências futuras. Isso

é instintivo nelas.

Em relação à morte a premonição é freqüentemente

disparada a partir da interferência

de benfeitores espirituais, objetivando

ajudar o candidato ao desencarne e seus

familiares. Embora possa ser assustadora,

prepara psicologicamente as pessoas envolvidas

em relação a acontecimentos que não

as colherão desprevenidas, nem se constituirão

em surpresa chocante.

Principalmente quando envolve desencarne

trágico, como num acidente de trânsito,

a informação premonitória é profundamente

consoladora, permitindo à família

compreender que não houve nada de fortuito,

ocasional e, muito menos, indevido. Simplesmente

cumpriram-se desígnios divinos,

no instituto das provações humanas.

104

ESTRANHO CULTO

- Olá, passeando?

^ - Sim, visitarei meu filho../ !

- Como?! Ele não morreu?!

- vou ao cemitério...

105

Este diálogo surrealista ocorre com freqüência.

As pessoas dispõem-se a visitar os

mortos no cemitério. Levam flores e cuidam

com muito carinho do túmulo, a "última morada".

Determinados cultos religiosos chegam

a orientar seus profitentes no sentido de

levar-lhes alimentos. E há a tradicional queima

de velas, para "iluminar os caminhos do além".

Certa vez, em minha infância, alguns

companheiros e eu, garotos arteiros, fomos

ao cemitério onde "afanamos" dezenas de

velas, pretendendo usá-las em nossas brincadeiras.

Ao ter conhecimento da proeza, minha

avó, uma velhinha italiana muito querida, zelosa

das tradições religiosas, recolheu-as todas

e, após admoestar-me com severidade

pelo desrespeito, acendeu-as na varanda de

nossa casa.

- Velas por intenção das Almas - explicou

solene - devem queimar até o fim!

106

Dei graças aos Céus por vê-la desistir

da idéia de obrigar-me a retornar ao cemitério,

em plena noite, restituindo-as, acesas,

aos "proprietários". com a generosidade que

lhe era peculiar, aceitou o argumento de que

seria impossível identificar exatamente as

sepulturas de onde as retiramos.

Há uma incrível deformação nas concepções

a respeito do assunto. Muita gente

não consegue assimilar plenamente a idéia

de que o Espírito eterno segue seu destino no

Plano Espiritual, deixando no cemitério apenas

vestes carnais em decomposição, que

nada tem a ver com sua individualidade, tanto

quanto o terno de um indivíduo não é ele próprio.

A freqüência aos cemitérios configura-se,

assim, como autêntico "culto aos cadáveres",que

desaparecerá na proporção em que

a criatura humana, assimilar noções mais amplas

sobre a vida espiritual.

Ressalte-se que quando pensamos

intensamente naqueles que partiram é como

se os evocássemos, trazendo-os até nós.

107

Não convertamos, portanto, as necrópoles

em "salas de visita do além". Há locais

mais aprazíveis para esse contato, principalmente

para o "morto". Se ele desencarnou

recentemente e ainda não está perfeitamente

adaptado às novas realidades, sentir-se-á

pouco à vontade na contemplação de seus

despejos carnais.

108

FLORES DE SAUDADE

Se pretendemos cultuar a memória de

familiares queridos, transferidos para o Além,

elejamos o local ideal: nossa casa.

Usemos muitas flores para enfeitar a

Vida, no aconchego do lar; nunca para exaltar

a morte, na frieza do cemitério.

Eles preferirão, invariavelmente, receber

nossa mensagem de carinho, pelo correio

da saudade, sem selagem fúnebre.

109

É bom sentir saudade. Significa que há

amor em nossos corações, o sentimento supremo

que empresta significado e objetivo à

existência.

Quando amamos de verdade, com

aquele afeto puro e despojado, que tem nas

mães o exemplo maior, sentimo-nos fortes e

resolutos, dispostos a enfrentar o Mundo.

E talvez Deus tenha inventado a ilusão

da morte para que superemos a tendência

milenar de aprisionar o amor em círculos fechados

de egoísmo familiar, ensinando-nos

a cultivá-lo em plenitude, no esforço da fraternidade,

do trabalho em favor do semelhante,

que nos conduz às realizações mais nobres.

Não permitamos, assim, que a saudade

se converta em motivo de angústia e opressão.

Usemos os filtros da confiança e da fé,

dulcificando-a com a compreensão de que

as ligações afetivas não se encerram na sepultura.

O Amor, essência da Vida, estende-se,

indestrutível, às moradas do Infinito, ponte

sublime que sustenta, indelével, a comunhão

entre a Terra e o Céu...

Há, pois, dois motivos para não cultivarmos tristeza:

Sentimos saudade - não estamos mortos...

Nossos amados não estão mortos sentem saudade...

E se formos capazes de orar, contritos

e serenos, nesses momentos de evocação,

orvalhando as flores da saudade com a

bênção da esperança, sentiremos a presença

deles entre nós, envolvendo suavemente

nossos corações com cariciosos perfumes

de alegria e paz. .. .

111

CREMAÇÃO

O medo de ser enterrado vivo induz

muita gente a cogitar da própria cremação.

Queima-se o cadáver evitando o problema.

Mas há uma dúvida que inspira a pergunta

mais freqüente nas palestras sobre a morte:

- Se no ato crematório eu ainda estiver

preso ao corpo, o que acontecerá?

Nessas oportunidades, costumo dizer:

112

- Bem, no interior do forno a temperatura

atinge mil e quatrocentos graus centígrados.

Considerando que a água ferve a cem

graus, podemos imaginar o que é isso. Fica

tão quente que o próprio cadáver entra em

combustão. Então, em meio às labaredas, se

o falecido estiver imbuído de concepções

teológicas medievais, imaginará, horrorizado:

"Meu Deus! Estou no Inferno!"

Trata-se, evidentemente, de uma brincadeira

para descontrair os presentes, ante

tema tão fúnebre. Qualquer pessoa esclarecida,

de qualquer religião, sabe que o Inferno

de fogo, onde as almas ardem, em tormentos

eternos, sem se consumirem, é uma fantasia

desenvolvida em tempos recuados, quando

os princípios religiosos impunham-se muito

mais pelo medo do que pela lógica. Sabemos

hoje que Céu ou Inferno não são locais

geográficos, Existem na intimidade de cada

um, em decorrência de nossas ações.

Objetivamente poderíamos responder

à pergunta informando que se o Espírito estiver

ligado ao corpo não sofrerá dores, porque

o cadáver não transmite sensações ao

Espírito, mas obviamente experimentará impressões

extremamente desagradáveis,

113

além do trauma decorrente de um desligamento

violento e extemporâneo. Oportuno

destacar algumas considerações de Emmanuel,

no livro "O Consolador", psicografia de

Francisco Cândido Xavier:

"Na cremação, faz-se mister exercer a

piedade com os cadáveres, procrastinando

por mais horas o ato de destruição das vísceras

materiais, pois, de certo modo, existem

sempre muitos ecos de sensibilidade entre o

Espírito desencarnado e o corpo, onde se extinguiu

o "tônus vital", nas primeiras horas sequentes

ao desenlace, em vista dos fluidos

orgânicos que ainda solicitam a alma para as

sensações da existência material."

O próprio Chico, em entrevista na extinta

televisão Tupi, em 1971, transmite nova

informação de Emmanuel: Deve-se esperar

pelo menos setenta e duas horas para a cremação,

tempo suficiente, ao que parece, para

o desligamento, ressalvadas as exceções

envolvendo suicidas ou pessoas muito presas

aos vícios e aos interesses humanos.

*Consfa do livro "CHICO XAVIER - DOS HIPPIES

AOS PROBLEMAS DO MUNDO", cap. 18

114

Nos fornos crematórios de São Paulo

espera-se o prazo legal de vinte e quatro horas.

Não obstante, o regulamento permite que

o cadáver permaneça em câmara frigorífica

pelo tempo que a família desejar. Espíritas

costumam pedirtrês dias. Há quem peça sete dias.

Importante reconhecer, todavia, que

muito mais importante que semelhantes cuidados

seria cultivarmos uma existência equilibrada,

marcada pelo esforço da auto-renovação

e da prática do Bem, a fim de que, em

qualquer circunstância de nossa morte, libertemo-nos

prontamente, sem traumas,

sem preocupação com o destino de nosso

corpo.

115

TRANSPLANTES

O avanço da Medicina em técnicas

cirúrgicas e a descoberta de drogas que eliminam

ou reduzem substancialmente os problemas

de rejeição, descerram horizontes

muito amplos para o transplante de órgãos.

Constituem rotina, atualmente, nos grandes

centros médicos, os de córnea, ossos, pele,

cartilagens e vasos; multiplicam-se os de coração,

rim e fígado, considerados impossíveis

há algumas décadas. Assim como os

bancos de sangue, surgem os que se

116

especializam em olhos, ossos, pele... ^

Considerando o fato de que o Espírito

não se desprende imediatamente após a

morte, surgem algumas dúvidas: Sentirá dores?

Experimentará repercussões no perispírito?

Quem doa seus olhos não sofrerá

problemas de visão na Espiritualidade?

Normalmente o ato cirúrgico não implica

em dor para o desencarnante. Como já comentamos,

a agonia impõe uma espécie de

anestesia geral ao moribundo, com reflexos

no Espírito, que tende a dormir nos momentos

cruciais da grande transição. Ainda que

conserve a consciência, o corpo em colapso

geralmente não transmite sensações de dor.

Não há, também, reflexos traumatizantes

ou inibidores no corpo espiritual, em contrapartida

à mutilação do corpo físico. O doador

de olhos não retornará cego ao Além. Se

assim fosse, que seria daqueles que têm o

corpo consumido pelo fogo ou desintegrado

numa explosão?

A integridade do perispírito está intimamente

relacionada com a vida que levamos e

117

não ao tipo de morte que sofremos ou à destinação

de nossos despojos carnais.

Nesse aspecto, importante frisar sempre,

a maior violência que nos afeta perispiritualmente,

mergulhando-nos em infernos de

angústia e dor, é o suicídio.Não obstante, em relação aos transplantes

há um problema a ser resolvido: tratando-se

de órgãos vitais como o coração e o

fígado, a cirurgia deve ter início tão logo ocorra

a morte cerebral (quando o cérebro deixa

de funcionar), antes que se consume a morte

clínica, determinada pela parada cardíaca.

Essa prática eqüivale, a nosso ver, à

eutanásia, porquanto nem sempre a morte

clínica ocorre imediatamente após a morte

cerebral.

Geralmente nesses transplantes são

utilizados os órgãos de pessoas que sofreram

acidentes, inclusive vasculares. Não há

possibilidade de aproveitamento em pessoas

que falecem por velhice ou vitimadas

por moléstias de longo curso. Ora, em benefício

do acidentado, é importante que, tendo

118

ocorrido a morte cerebral, permita-se que a

Natureza siga seu curso e que a morte clínica

venha naturalmente. Algumas horas, dias ou

semanas nessa situação, embora representem

constrangimento e angústia para os familiares,

ensejarão um desencarne menos

traumatizante ao Espírito.

No futuro a Medicina desenvolverá,

certamente, técnicas que permitam a retirada

desses órgãos vitais para doação após

consumar-se a morte, sem medidas drásticas

passíveis de complicar o processo desencarnatório.

119

ABENÇOADA CARIDADE

Um dos transplantes mais simples,

com problemas mínimos de rejeição e de resultados

extremamente felizes, é o de córnea.

A cirurgia para retirada dos olhos do

doador é rápida, não deixa marcas exteriores

e pode ser realizada até seis horas após o

óbito, o que evita o problema a que nos referimos

no capítulo anterior.

120 .

Todos podemos doar nossos olhos,

sem restrições quanto à idade ou às circunstâncias

da morte. Desde que não estejam

comprometidas por lesões, as córneas

serão aproveitadas.

Para fazê-lo basta procurar um banco

de olhos em nossa cidade (funciona geralmente

em hospital) e efetuar a inscrição. Em

cidades menores qualquer médico, oftalmologista

de preferência, orientará a respeito.

Paralelamente, informemos os familiares

sobre as providências, na eventualidade

de nosso falecimento. Sobretudo, é preciso

conscientizá-los de que não lhes compete

contrariar nossas disposições a respeito do

corpo que deixamos. Nossa vontade deve

ser respeitada.

Esse cuidado é indispensável, porquanto

alguém deverá dar o consentimento

para a cirurgia e é muito comum que ninguém

se disponha a fazê-lo. Prevalecem nessas

ocasiões as superstições milenárias a respeito

da morte. Muitos consideram uma profanação

o aproveitamento de órgãos do defunto,

dominados por velhos condicionamentos.

Além de constituir um exercício de coragem, rompendo com arraigados

preconceitos,

121

a doação dos olhos é um abençoado

ato de caridade. Imaginemos nossa alegria

na Espiritualidade, ao recebermos a notícia

de que nossa modesta dádiva- pequena parte

de uma veste em desuso - proporcionou a

alguém o mais precioso de todos os tesouros:

o dom de enxergar!

E não tenhamos dúvida de que haverá

um cuidado mais amplo dos benfeitores espirituais,

evitando que nossa generosidade

implique em qualquer constrangimento para

nós, proporcionando-nos, ainda, condições

para que mais facilmente superemos os problemas

de adaptação às realidades de alémtúmulo.

A esse propósito, oportuno destacar a

experiência do jovem WladimirCezarRanieri,

descrita no livro "Amor e Saudade", organizado

por Rubens Sílvio Germinhasi, com

mensagens psicografadas por Francisco

Cândido Xavier.

Wladimir fez a doação de seus olhos,

extraídos após morte motivada por um tiro

que desfechou no peito. Transcrevemos trechos

da mensagem do jovem suicida, dirigida

aos pais, onde há referências aos benefícios

que colheu como doador, não obstante o

gesto tresloucado:

122

"Sei que entrei num pesadelo em que

via o meu próprio sangue a rolar do peito como

se aquele filete rubro não tivesse recursos

de terminar."

"O suicida é um detento sem grades."

"Admito que os irmãos com problemas

semelhantes aos meus se reconhecem presos

sem algemas e sem cárcere, porque ninguém

foge de si mesmo."

"Graças a Deus, melhorei da hemorragia

incessante que me enlouquecia. Depois

de algumas semanas de aflição, um médico

apareceu com uma boa nova."

"Ele me disse que as preces de uma

pessoa que se beneficiara com a córnea que

doei ao Banco de Olhos se haviam transformado

para mim num pequeno tampão que,

colocado sobre o meu peito no lugar que o

projétil atingira, fez cessar o fluxo do sangue

imediatamente. Eu, que não fizera bem aos

outros, que me omiti sempre na hora de servir,

compreendi que o bem mesmo feito involuntariamente

por uma pessoa morta é capaz

de revigorar-nos as forças da existência."

123

CURIOSA OBSESSÃO

As tensões e mágoas decorrentes do

falecimento de um ente querido, quando não

são usados os abençoados recursos da prece

e da aceitação, podem gerar problemas

de saúde. Se recusamos buscar a normalidade,

com o retorno às rotinas do dia-a-dia,

cultivando a vocação de viver, fatalmente colhemos

complicados desajustes físicos e psíquicos.

Por estranho pareça, pode contribuir

para tal situação a presença do falecido que,

124

despreparado para as realidades de alémtúmulo

e desconhecendo seu estado, retorna

ao lar, tendendo a associar-se mediunicamente

aos componentes do grupo familiar.

Daí a razão pela qual há pessoas que experimentam

os mesmos sintomas do mal que o

afligia. Se o falecimento foi decorrente de

grave crise pulmonar, sentem dores no peito,

opressão, falta de ar...

É que, em face da ligação estabelecida,

o morto lhes transmite impressões não superadas,

relacionadas com o final de sua

existência, agindo como um sonâmbulo que

fala e ouve, a perturbar-se porque ninguém

lhe dá atenção.

O tratamento médico ajuda mas não resolve,

porquanto atinge apenas efeitos, sem

remover as causas. A Doutrina Espírita, que

se apresenta numa vanguarda em relação ao

assunto, oferece amplos recursos de auxílio

às duas partes:

O reencarnado beneficia-se no Centro

Espírita com o passe magnético, a água fluidificada,

a orientação de como encarar a

morte e a visão objetiva da existência humana.

125

O desencarnado que, imantado ao

doente, também comparece e recebe valiosa

assistência dos benfeitores espirituais, destacando-se

a manifestação mediúnica,

quando, em contato com as energias físicas

do médium, revigora-se e experimenta momentos

de lucidez, como alguém que despertasse

de longo sono, habilitando-se a ser

esclarecido.

Desfaz-se, assim, o processo obsessivo

movido involuntariamente pelo desencarnado,

que apenas buscava socorro, amparo,

atenção...

Ressalte-se que, não raro, ele é muito

mais obsidiado que obsessor. Sem defesa e

sem preparo para a vida espiritual, é atraído

pelos familiares, quando estes se recusam a

superar a angústia da separação, entrando

num processo de fixação mental que o confunde

e retém, mesmo quando se disponha a

seguir seu caminho no Além.

Por isso, tão importante quanto esclarecer

Espíritos que perturbam a família é

doutrinar a família para que não perturbe os

Espíritos.

126

O MAIS IMPORTANTE

Devemos informar o paciente terminal

sobre sua situação? Não tem ele o direito de

saber que é um condenado à morte? Que sua

hora está próxima? Isso não o ajudaria a preparar-se

para a grande transição? Difícil responder,

porquanto raros dispõem-se a encarar

o assunto com serenidade.

Medo, insegurança, apego à vida física

e à família, caracterizam as reações do homem

comum diante da morte, criando-lhe

127

sérios embaraços ao desligamento espiritual,

como o morador de uma residência em ruínas

que se recusasse a admitir a necessidade

de deixá-la.

Nas situações mais críticas é comum o

paciente iludir-se a si mesmo, alimentando a

esperança de que vai melhorar. Isso ocorre

até mesmo com pessoas inteligentes e cultas,

com plena condição para compreender

que estão no fim.

Integrando um grupo de assistência

.espiritual, visitei durante algum tempo um

doente terminal. Tratava-se de um senhor de

avançada idade, com gravíssimos problemas

circulatórios. Não obstante enfraquecido e

preso ao leito desde que sofrera o último espasmo

cerebral, mostrava-se lúcido, recebendo

com satisfação o estudo de "O Evangelho

Segundo o Espiritismo", as orações, o

passe magnético, a água fiuidificada.

Procurávamos, na apreciação da leitura,

abordar o problema da morte, situando-a

como uma carta de libertação para o Espírito.

E destacávamos, delicadamente, que as pessoas

idosas estão mais perto da grande

128

transição e deveriam preparar-se para o retorno

à Espiritualidade, cultivando desprendimento

e confiança em Deus. Entretanto, o doente,

embora impossibilitado de falar, movimentava

vigorosamente a mão, respondendo com

eloqüente mímica: "Não! Não pretendia morrer!"

Em outras oportunidades, no cuidado

de familiares em idêntica situação, senti essa

resistência. Nos momentos cruciais, já bem

perto do fim, proclamavam a certeza de que o

mal não era tão grave e que, com a ajuda de

Deus; poderiam superá-lo.

Forçoso concluir que se o doente não

quer admitir a precariedade de sua condição;

se opõe resistência às perspectivas

da própria morte, se tenta iludir-se com a

idéia de sua recuperação, melhor não o contrariar.

Mais importante será oferecer-lhe carinho

e atenção. Os dois extremos da vida são

semelhantes. Assim como o recém-nascido,

o desencarnante é extremamente dependente,

tanto sob o ponto de vista físico como

emocional. Precisa de cuidados e,

129

sobretudo, deseja, desesperadamente, sentir que é

amado, que se preocupam com ele, que não

o consideram um peso.

Nada mais triste para o paciente terminal

que a solidão, relegado a um leito de hospital,

onde os afetos mais caros ao seu coração

assumem a postura de visitas. Comparecem

emocionados, sensibilizados com sua

dor, mas apressados, com compromissos

mil. Não compreendem que o seu compromisso

maior é estar ao lado daquele Espírito

prestes a deixar a Terra, oferecendo-lhe as

bênçãos de sua presença, de sua solicitude,

de sua consideração!

130

RAÍZES DE ESTABILIDADE

Segundo pesquisa realizada pela revista

"Psychology Today", o que as pessoas

mais temem é o falecimento de um ente querido.

Muita gente simplesmente recusa-se a

cogitar dessa possibilidade, mesmo em relação

a familiares idosos. Quanto aos filhos,

nem pensar!...

Há uma tendência muito humana de

estender raízes de estabilidade emocional

essencialmente no solo da afetividade,

131

envolvendo particularmente os familiares.

Sentimo-nos mais seguros assim, dispostos

a enfrentar as lutas da existência.

O problema é que, diante do falecimento

de alguém muito caro ao seu coração, o

indivíduo desequilibra-se, como se lhe faltasse

o chão debaixo dos pés, e desaba em crises

de desespero. Por longo tempo sente-se

mutilado emocionalmente, sem apoio, sem

ânimo, sem disposição para viver...

A fim de evitarmos tais prejuízos é imperioso

que aprendamos a conviver com a

morte, aceitando-a como experiência evolutiva

própria do mundo em que vivemos e que,

provavelmente, antes que ela nos venha buscar,

levará, dentro de muitos anos ou de

alguns dias, um ser amado.

Deveríamos ter sempre "um pé atrás",

isto é, cogitar dessa possibilidade, sem morbidez,

sem vocação para o pessimismo, apenas

exercitando a capacidade de sermos

realistas.

Não se trata de assumir fria racionalidade,

reduzindo nossas afeições a meras

132

peças que admitamos perder no jogo do destino,

mas de buscarmos compreender os mecanismos

da Vida, a fim de não nos sentirmos

à margem dela, como se não houvesse mais

razão para viver, porque o ser amado partiu.

Chegada e partida, convivência e solidão,

união e separação, vida e morte, são

antíteses existenciais que se repetem no

relógio dos séculos, trabalhando nossa personalidade

na dinâmica da evolução, de conformidade

com os desígnios sábios e justos

de Deus.

Por isso, em nosso próprio benefício, é

imperioso que estendamos outras raízes de

estabilidade emocional, a começar pelo empenho

de cumprirmos as finalidades da jornada

terrestre. A convivência com entes queridos

é importante, mas representa apenas

parte das motivações que devemos cultivar.

Há outras, inadiáveis, fundamentais: o aprimoramento

intelectual e moral, o esforço de

auto-renovação, a participação ativa no meio

social a serviço do Bem, o desenvolvimento

de valores espirituais... Semelhantes iniciativas

acendem em nosso peito a chama divina

do ideal, que ilumina os caminhos, oferecendo-nos

133

conforto e segurança em todas as situações.

Quando cultivamos o ideal, assumindo

a condição de filhos de Deus, criados à Sua

imagem e semelhança, desenvolvendo nossas

potencialidades criadoras, tomamo-nos

mais capazes de amar, relacionamo-nos melhor

com os familiares, estreitamos laços de

afinidade, mas o desprendimento marcará

nossas efusões afetivas, permitindo-nos

manter o equilíbrio e a serenidade quando a

morte vier buscar alguém de nosso círculo íntimo.

134

JÓIAS DEVOLVIDAS

Existe uma palavra-chave para enfrentarmos

com serenidade e equilíbrio a morte

de um ente querido: submissão.

Ela exprime a disposição de aceitar o

inevitável, considerando que, acima dos desejos

humanos, prevalece a vontade soberana

de Deus, que nos oferece a experiência da

morte em favor do aprimoramento de nossa

vida.

135

A esse propósito, oportuno recordar

antiga história oriental sobre um rabi, pregador

religioso judeu que vivia muito feliz com

sua virtuosa esposa e dois filhos admiráveis,

rapazes inteligentes e ativos, amorosos e disciplinados.

Por força de suas atividades, certa vez

o rabi ausentou-se por vários dias, em longa

viagem. Nesse ínterim, um grave acidente

provocou a morte dos dois moços.

Podemos imaginar a dor daquela

mãe!... Não obstante, era uma mulher forte.

Apoiada na fé e na inabalável confiança em

Deus, suportou valorosamente o impacto.

Sua preocupação maior era o marido. Como

transmitir-lhe a terrível notícia?!... Temia que

uma comoção forte tivesse funestas conseqüências,

porquanto ele era portador de perigosa

insuficiência cardíaca. Orou muito, implorando

a Deus uma inspiração. O Senhor

não a deixou sem resposta...

Passados alguns dias o rabi retornou

ao lar. Chegou à tarde, cansado após longa

viagem, mas muito feliz. Abraçou carinhosamente

a esposa e foi logo perguntando pelos

filhos...

- Não se preocupe, meu querido. Eles

virão depois. Vá banhar-se, enquanto preparo

o lanche.

136

Pouco depois, sentados à mesa, permutavam

comentários do cotidiano, naquele

doce enlevo de cônjuges amorosos, após

breve separação.

- E os meninos? Estão demorando!...

- Deixe os filhos... Quero que você me

ajude a resolver grave problema...

- O que aconteceu? Notei que você

está abatida!... Fale! Resolveremos juntos,

com a ajuda de Deus!...

- Quando você viajou, um amigo nosso

procurou-me e confiou à minha guarda duas

jóias de incalculável valor. São extraordinariamente

preciosas! Nunca vi nada igual! O

problema é esse: ele vem buscá-las e não estou

com disposição para efetuar a devolução.

- Que é isso, mulher! Estou estranhando

seu comportamento! Você nunca cultivou

vaidades!...

- É que jamais vira jóias assim. São divinas,

maravilhosas!...

- Mas não lhe pertencem...

- Não consigo aceitar a perspectiva de

perdê-las!...

137

Ninguém perde o que não possui.

Retê-las equivaleria a roubo!

-Ajude-me!...

- Claro que o farei. Iremos juntos devolvê-las,

hoje mesmo!

- Pois bem, meu querido, seja feita sua

vontade. O tesouro será devolvido. Na verdade

isso já foi feito. As jóias eram nossos filhos.

Deus, que no-los concedeu por empréstimo,

à nossa guarda, veio buscá-los!...

O rabi compreendeu a mensagem e,

embora experimentando a angústia que

aquela separação lhe impunha, superou

reações mais fortes, passíveis de prejudicálo.

Marido e mulher abraçaram-se emocionados,

misturando lágrimas que se derramavam

por suas faces mansamente, sem

burburinhos de revolta ou desespero, e pronunciaram,

em uníssono, as santas palavras

de Jó:

"Deus deu, Deus tirou. Bendito seja o

Seu santo nome."

138

PASSAPORTE

"Aprende a bem viver e bem saber ás morrer."

(Confúcio)

Após a apresentação da palestra sobre

a morte, numa cidade do Rio Grande do Sul,

quando eu respondia perguntas do público,

uma jovem comentou:

"O tema impressiona-me sobremaneira.

Por isso compareci a esta reunião, mesmo

não sendo espírita. Devo confessar, entretanto,

que após seus esclarecimentos, eu, que

sempre senti medo da morte, agora estou

apavorada!..."

139

Felizmente essa pitoresca confissão é

uma exceção. Como o medo da morte decorre,

geralmente, da falta de informação, tenho

constatado que muitas pessoas habilitam-se

a encará-la com serenidade quando tomam

conhecimento do assunto.

Imperioso reconhecer, entretanto, que

somente nos livraremos em definitivo de temores

e dúvidas quando nos ajustarmos às

realidades espirituais descortinadas pela

Doutrina Espírita, procurando definir o significado

da experiência humana.

Espíritos eternos, transitoriamente

encarcerados na carne, não podemos esquecer

que nossa morada definitiva, legítima,

situa-se no Plano Espiritual, onde ampliaremos

nossos estágios na medida em que superarmos

os imperativos de encarnação em

mundos densos como a Terra, onde as dificuldades

e limitações existentes funcionam

como lixas necessárias a desbastar nossas

imperfeições mais grosseiras.

Se fazemos da reencarnação uma estação

de férias, marcada pelo acomodamento

e pela indiferença; se a concebemos como

um cassino para irresponsável jogo de

emoções; se pretendemos um céu artificial

140

sustentado por vícios e paixões; se cultivamos

bem-estar e segurança no solo enganoso

dos interesses imediatistas, alienados dos

objetivos da existência, fatalmente sentiremos

medo de morrer. Afinal, tudo isso ficará

para trás. E algo nos diz, no mais íntimo de

nosso ser, que nos será cobrado o comprometimento

da vida e o despreparo para a

morte.

Aqueles que transitam distraídos das

finalidades da jornada reencarnatória, constatarão,

desalentados e tristes, que a morte,

anjo libertador que deveria descortinar-lhes

maravilhosos horizontes espirituais, apenas

revela os pesados grilhões que colocaram

em si mesmos, por fazerem da existência um

exercício de inconsequência, procrastinando

o esforço da própria renovação.

Em nosso benefício, é fundamental que

desenvolvamos uma consciência de eternidade,

reconhecendo que não somos meros

aglomerados celulares dotados de inteligência,

seres biológicos que surgiram no berço e

desaparecerão, aniquilados, no túmulo.

Somos Espíritos eternos! Já existíamos

antes do berço e continuaremos a existir

após o túmulo! É preciso viver em função

141

dessa realidade, superando mesquinhas ilusões,

a fim de que, livres e firmes, busquemos

os valores inalienáveis da virtude e do conhecimento,

nosso passaporte para as gloriosas

moradas do Infinito!

Difícil definir quando seremos convocados

para o Além. A morte é como um ladrão.

Ninguém sabe como, quando e onde

virá. O ideal é estarmos sempre preparados,

vivendo cada dia como se fosse o último,

aproveitando integralmente o tempo que nos

resta no esforço disciplinado e produtivo de

quem oferece o melhor de si mesmo em favor

da edificação humana. Então, sim, teremos

um feliz retorno à pátria espiritual, como sugere

o velho provérbio oriental:

"Quando nasceste todos sorriam, só tu

choravas. Vive de tal forma que, quando morreres

todos chorem, só tu sorrias!"

142

OS LIVROS DO AUTOR

PARA VIVER A GRANDE MENSAGEM 1969

Editora: FEB

TEMAS DE HOJE, PROBLEMAS

DE SEMPRE 1973

Editora: Correio Fraterno do ABC

A VOZ DO MONTE 1980

Editora: FEB

ATRAVESSANDO A RUA 1985

Editora: IDE

EM BUSCA DO HOMEM NOVO 1986

Parceria com Sérgio Lourenço e

Therezinha Oliveira

Editora: ABC do Interior

ENDEREÇO CERTO 1987

Editora: IDE

QUEM TEM MEDO DA MORTE? 1987

Editora: Gráfica São João

A CONSTITUIÇÃO DIVINA 1988

Editora: Gráfica São João

UMA RAZÃO PARA VIVER 1989

Editora: Gráfica São João

UM JEITO DE SER FELIZ 1990

Editora: Gráfica São João

ENCONTROS E DESENCONTROS 1991

Editora: Gráfica São João

QUEM TEM MEDO DOS ESPÍRITOS? 1992

Editora: Gráfica São João

A FORÇA DAS IDÉIAS 1993

Editora: O Clarim

QUEM TEM MEDO DA OBSESSÃO? 1993

Editora: Gráfica São João

VIVER EM PLENITUDE ^ 1994

Editora: Gráfica São João